Autor Data 30 de Maio de 2004 Secção Policiário [672] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2003/2004 Prova nº 8 Publicação Público |
Solução de: UM CASO CURIOSO Inspector Fidalgo Como é fácil verificar, o
número de suspeitos… é apenas de um! Portanto, cabe aqui verificar se terá
havido acidente, ou, pelo contrário, se estamos perante um crime. A acção
passa-se numa aldeia piscatória, com areal, algures na nossa costa. Em primeiro lugar, não é indicada
explicitamente a data da ocorrência, mas é fácil determinar que tudo se passa
na noite de 28 de Fevereiro, madrugada de 1 de Março, de um ano comum. Isto porque o senhor Silva
faz referência à sua suposição de se tratar de um embriagado que ali tivesse
caído, uma vez que por lá todos recebem o salário no dia 28 de cada mês e ele
mesmo saiu do estabelecimento naquela noite e àquela hora, porque tinha de
fazer os acertos da sua contabilidade no último dia de cada mês. A conjugação
destes dois factores determina que apenas esta data
abarque cumulativamente ambas as premissas. O facto de o Inspector Fidalgo adorar fazer passeios na praia e estar
de férias não tem qualquer significado. Em Fevereiro também há areal para
passeio e podem gozar-se férias nessa época! Esta constatação levanta
imediatamente a primeira questão: para Fevereiro, ainda
para mais à noite, o Burrica não estava convenientemente vestido! Fica justificada a ausência
de qualquer documentação ou outro objecto,
nomeadamente chaves de casa e principalmente – no dizer do senhor Silva – o
maço de tabaco, isqueiro ou fósforos, que um viciado no tabaco jamais
dispensaria. O casaco (ou sobretudo) – cuja composição desconhecemos –
foi-lhe subtraído. O uso de ténis e calças de
ganga é, hoje em dia, perfeitamente normal, mesmo no Inverno. A blusa de
manga curta apenas poderia surpreender se se soubesse que nada mais vestia
por cima, o que não é o caso, como já vimos. E se até este momento ainda
poderíamos considerar que se tratava de uma queda acidental, seguida de roubo
do casaco, com carteira, documentos, etc., praticado por desconhecido, tudo
se vai esclarecendo à medida que o senhor Silva vai abrindo o rol das suas
declarações. Primeiro quando diz que o
Burrica fumava muito. O Inspector Fidalgo notou –
não sem surpresa, atendendo à sua actividade na
pesca –, que as unhas estavam limpas e cuidadas. Hoje em dia, muitos jovens
trabalhadores não dispensam o uso de luvas, que na pesca, quer na construção
civil, quer em muitas outras actividades particularmente
sujas e atreitas a criar calosidades. Portanto, a surpresa não seria tanto
essa, mas sim a de o Burrica ser apresentado como um homem que fumava muito e
não tinha as marcas inerentes a esse facto, unhas e dedos com a coloração
habitual produzida pelo fumo, porque ninguém calça luvas para acender e fumar
um cigarro! Segundo, quando apresenta a
prova do que afirma, um papel avulso onde, presumivelmente, estariam as
compras efectuadas pelo Burrica e onde se
encontravam registos quase diários de compra de maços de tabaco. É que se
toda a gente conhecia o moço como “Burrica”, desde sempre, nunca ele seria
identificado no topo da listagem como “Afonso”! Este Afonso seria outra
pessoa, fumador, e o Inspector Fidalgo percorreu
todas as folhas para ver se não estaria lá a do “Burrica” e, possivelmente,
para verificar se todas estavam escritas da mesma forma para determinar se
não haveria por ali uma falsificação de última hora… Fosse como fosse, aquela
folha não podia ser a do nosso “Burrica”. A esta hora o senhor Silva
deve estar a pensar na sua vida atrás das grades e o Inspector
Fidalgo a fazer contas aos dias que faltam para mais uma grande caminhada
pelos areais extensos da simpática aldeia, onde as noites de 28 continuam a
ser de festa e algum exagero… Sobre os motivos que
levaram o senhor Silva a praticar o crime e o modo como o fez, isso não é
para aqui chamado. O autor tem o poder de
conduzir o seu caso da forma que entender e de só revelar as motivações e o
processo de execução se assim quiser, muito embora seja aconselhável, na
maioria dos casos, dar a entender o motivo do crime, para que este não
apareça aos olhos do leitor como um crime sem motivação, um crime gratuito,
cometido de forma aleatória. O Inspector
Fidalgo não pretendeu com esta actuação vulgarizar
o crime. É evidente que o senhor Silva teve um motivo e praticou um crime
seguindo uma certa lógica – a sua. Agora é a vez de a
imaginação dos nossos “detectives” ser posta a
trabalhar. |
© DANIEL FALCÃO |
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