Autor Data 1 de Março de 2009 Secção Competição Problema nº 7 Publicação O Almeirinense |
O APRENDIZ FIDALGO Inspector Fidalgo Decorria
um ano qualquer da década de 70 do século de todos os exageros, o XX. Numa
terra qualquer, algures num pequeno país rectangular
com duas frentes de mar, um indivíduo de média estatura, cabelo ralo e algo
anárquico, com ar satisfeito, irradiando alegria no sorriso gaiato, terminava
um curso de formação para detectives, com um
problema para resolução… – Olha, pá, estás numa mansão enorme,
magnífica. Entras por uma porta pesadíssima, com vitrais brilhantes e chegas
a um imenso espaço aberto. Em frente, ao fundo, a porta do elevador de acesso
ao piso superior. De ambos os lados dessa porta, abrem-se os caminhos que
levam à imensa sala de jantar. Na parede lateral esquerda, vislumbram-se as
portas de acesso a outras divisões – cozinha, quartos de criados, salas de
banho. Encostada à parede do lado direito, majestosa, vai-se erguendo uma
escadaria em pedra granítica, obra excelente de engenharia porque vai
torneando, suavemente, para a esquerda e depois para a direita, até ficar
centrada, no piso superior, com a porta do elevador, tudo sem apoio de
qualquer coluna. No piso de cima, ao subires pelas escadas, chegas a um átrio
amplo. Do lado direito, vês um grande vitral, ocupando toda a parede. Para a
esquerda, um pequeno corredor com cerca de 4 metros de comprimento, que
depois roda para a direita e continua, longo, abrindo 3 portas para o lado
direito, que dão acesso a outros tantos quartos. –
Espere aí, Sete de Espadas. Tanta informação tem que ser devidamente
digerida! Numa folha de papel, Fidalgo foi apontando algumas notas e
garatujou uns rabiscos esquemáticos… – Vá, Sete, vamos em frente… –
Vamos! Na mansão moram 3 irmãos e vários empregados. Estes têm quartos no
piso de baixo e só nos interessa um deles, como vamos ver. Lá em cima, a
partir do átrio, o José tem o primeiro quarto; o João o segundo; o Jaime o
último. O
Jaime é o mais novo, amigo da farra e dos copos, sempre a abrir na vida. As
manhãs são sagradas, para dormir profundamente, e esta manhã, ao que parece,
não foi excepção. Depois de uma noite atribulada,
chegou por volta das 7h15 da manhã e teve que ser amparado pelo Baltazar, o
empregado que nos interessa, que o levou até ao elevador, o acompanhou até ao
quarto e o ajudou a deitar-se. O
João é deficiente. Apenas se pode deslocar em cadeira de rodas e é com muita
dificuldade que consegue usar o seu comando. Tem que ser colocado na cadeira
e dela retirado. Esta é accionada
por bateria que é recarregada na corrente eléctrica,
mediante um cabo amovível que a liga a uma qualquer tomada de casa. De
qualquer modo, por uma questão de segurança, a cadeira só funciona quando os
cintos de segurança, cruzados sobre o peito e no ventre, estão devidamente
presos – o que apenas pode ser feito por outra pessoa – mantendo-o sempre
agarrado à pesada e bastante estável cadeira, em caso de acidente. Apesar
da porta do quarto do João ter uma mola que a impede de ficar aberta por
engano, ainda para maior segurança, foi instalado um minúsculo fio sensor,
que atravessa o corredor, num ponto intermédio entre as portas dos quartos do
João e do José e que acciona uma campainha bastante
sonora, quer no corredor, quer no escritório privativo que está dentro do
quarto do José. Destina-se a dar o alarme e evitar que, em caso de descuido,
o João consiga passar na direcção das escadas, sem
o devido acompanhamento. Para não ser accionada
sempre que alguém passa, basta que não seja pisado o fio. O
José é o mais velho e o acompanhante do João, por quem se sente responsável
por ter sido para o salvar de ser atropelado por uma carroça puxada por
cavalos que ele ficou naquele estado físico. Todos os dias, por volta das 6
horas, o José vai ao quarto do João, veste-o, coloca-o na cadeira. Desliga o
cabo do carregador da bateria, enrola-o e guarda-o na bolsa da cadeira,
encaminhando-se, então, para o elevador. Depois de descerem, passam pela
cozinha onde comem alguma coisa e às 6h30 já estão a passear pela
propriedade, vão até junto dos cavalos, regressando por volta das 7h30,
dirigindo-se directamente ao quarto do João, onde
este fica a descansar, sentado na cadeira, a ver um pouco de televisão até
cerca das 10h30, hora em que o irmão, depois de tratar das papeladas no seu
escritório, o vai buscar para virem para o piso inferior, até à hora de
almoço. Naquele
dia, no entanto, algo correu mal. Um
prolongado estrondo alertou toda a gente, eram 7h35. Do piso de baixo
acorreram os empregados e do piso de cima o José, que assomou à porta do seu
quarto, quando o Baltazar começava a percorrer o corredor, aparentemente
vindo do quarto do Jaime, para assistirem à triste visão do João caído no
último degrau da enorme escadaria, com o pescoço completamente torcido,
enquanto, alguns metros mais adiante, a cadeira estava imóvel, mas com a roda
do lado direito ainda rodando, macabramente. Inconsolável,
o José explicava vezes sem conta o que fizera naquela manhã… Tinham cumprido
toda a rotina habitual e deixara o irmão no quarto, às 7h30 certinhas – ele
mesmo confirmou, na televisão, antes de sair. Demorou
um pouco mais porque teve que pôr novamente a bateria da cadeira a carregar,
já que continuava a dar sinais de fraqueza e foi para o seu escritório
privativo. Mal se tinha sentado à secretária, ouviu o estrondo e veio à
porta. Viu o Baltazar a vir do fundo do corredor, arrastando a perna doente e
correu para as escadas, ouvindo, logo depois, os gritos dos outros
empregados, só interrompidos pelo som estridente da campainha, que de súbito
irrompeu. –
A campainha! A campainha não tocou! A campainha não tocou! – Repetia,
desolado. O
Baltazar dizia que tinha acabado de deitar o patrão Jaime, que nem acordou e,
ao ouvir o estrondo, correu para a porta, com as dificuldades que a sua perna
aleijada lhe impunham e começou a percorrer o corredor. A princípio julgara
que o barulho tinha sido no quarto do patrão João e notou que a porta estava
encerrada, mas viu que o patrão José se encaminhou para os lados das escadas
e ouviu gritos vindos lá de baixo, dos outros empregados, pelo que continuou
até se juntar ao patrão José, no cimo das escadas. Tinha a certeza que a
campainha só tocara pelas 6h15, como era habitual quando os patrões saíam e
só voltou a soar quando ele, inadvertidamente, pisou a linha na correria para
as escadas. Naquela
manhã, não houve qualquer corte de fornecimento eléctrico
na casa e a carga da bateria da cadeira estava baixa, como dissera o José,
mas suficiente para a movimentar no seu curto trajecto.
O defeito de não carregar correctamente estava,
como depois se confirmou, no cabo que o Inspector
recolheu da bolsa da cadeira, para posterior análise. Não
houve qualquer coligação ou cumplicidade no incidente. O
João morreu na queda, pescoço partido… –
Ó Fidalgo, se queres concluir o curso no Quadro de Honra, estuda bem este
caso e retira as tuas conclusões! –
Estou feito! O Sete de Espadas está a fazer de propósito; este é muito
difícil… |
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© DANIEL FALCÃO |
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