Autor Data 8 de Janeiro de 1976 Secção Competição Policiário nº 5 Publicação Mundo de Aventuras [119] |
Solução de: PROCESSO 251 - A MORTE DO ENGº CARLOS SILVA Inspector Gavião 1
– O assassino foi a criada. 2
– A criada foi a assassina porque ela diz que quando chegou deparou com o
«espectáculo» deprimente com que o sargento tinha deparado também. Ora, o
sargento deparou com um espectáculo na semi-obscuridade, e ela, dizendo que
não mexeu em nada, contradiz-se visto que a vizinha declarou que à hora do
crime tinha visto tudo na mesma e portanto a luz, que antes estava acesa,
também o deveria estar depois do crime, o que não acontece visto que quando o
sargento chegou a luz estava apagada. 3
– Não foi suicídio: 1.°
– porque a luz estava apagada e não foi o eng.º que a apagou depois de se
suicidar… 2.°
– Se o eng.º se suicidasse teria sido com a mão esquerda. Mas não, visto que
ele estava no meio de um trabalho. Solução
de Jartur APONTAMENTOS 1
– A semi-obscuridade do gabinete, tornava ainda mais angustiante, o
espectáculo deprimente que o sargento Luis, naquela noite, encontrou. Sobre a
vasta secretária estava debruçado o seu amigo de infância… 2
– Sobre o desenho semi-acabado, pousava a cabeça já sem vida… O sangue, saído
de um buraco um pouco acima da orelha, encontrava-se já coalhado, sujando o
desenho. 3
– Junto à mão direita, o revólver dele. Na esquerda, crispada (ele era
canhoto), segurava ainda o lápis. 4
– Isto o que vira depois de acender a
luz. Nesta
última frase, sublinhada, situa-se, a meu ver, a chave do problema. No
entanto, parece-me necessitar, essa chave, de ser devidamente limada, para
que se ajuste na respectiva «fechadura» e permita a solução eficaz, Na
realidade, à primeira tentativa, com toda a exactidão, visto que não estão
devidamente definidos e delimitados, o período de tempo, a zona em
superfície, e o grau em eficácia, da visibilidade existente no gabinete, nas
ocasiões da ocorrência fatal, durante a presença da criada após ouvir o tiro,
durante a observação da vizinha e enquanto o sargento esteve no local. No
final da descrição da cena do crime – desde já poderá ficar assente que foi
crime – (respondendo assim ao ponto 1 do questionário), diz-se «Isto o que
vira depois de acender a luz». Ora, não sabemos concretamente o que foi visto
exactamente depois de acender a luz, nem o que já fora visto antes, pois isso
não é referenciado com clareza ao longo do problema. Por outro lado, sabemos
que quando chegou o sargento, embora a luz não estivesse – presume-se –
acesa, encontrou-se com um espectáculo deprimente… que a semi-obscuridade
tornava ainda mais angustiante. Portanto,
se o investigador conseguiu, quando
chegou, antes de acender a luz, detectar o espectáculo deprimente (e se visse
apenas o corpo reclinado sobre a secretária, o espectáculo não seria assim
tão angustiante e deprimente), é
natural que a criada quando chegou ao escritório, após ouvir o tiro, tivesse
as mesmas condições de visibilidade ou, mais precisamente, visto isso ter
ocorrido mais cedo e, por conseguinte, com mais claridade natural. Aliás, a vizinha
da frente – não sabemos ao certo a que distância se situa a sua janela – foi
peremptória em afirmar que vira o engenheiro cerca das 20 horas, a trabalhar.
Um quarto de hora depois ouvira o tiro, fora à janela e tudo estava na mesma,
inclusive o engenheiro que estava agora, ao que parecia, adormecido sobre o
tampo da secretária. Afinal,
não estava tudo na mesma. Havia diferenças extremas. Antes, o professor
estava a trabalhar e «agora» estava, ou parecia estar, adormecido. Na
observação do local do acontecimento, quer do corpo quer dos objectos, se
depreende que o autor do problema pretende que nós concluamos ter havido
crime e não suicídio. Admitamos, pois, que não foi suicídio, visto que o
engenheiro era canhoto e a sinistra estava crispada, segurando ainda o lápis
com que trabalhava quando a morte o surpreendeu. Por outro lado, e
confirmando a hipótese aceite, o revólver estava junto à mão direita… e não
empunhado por ela. Isso diz-nos, também, que a arma não estava na mão da
vítima quando a morte ocorreu, pois, se tal acontecesse, é natural que ali
ficasse, segura, pela dextra morta e crispada. EXTRACTOS
DAS DECLARAÇÕES DA
CRIADA: Só
estava ela em casa quando se ouviu o tiro. Correu para o escritório, e logo
que chegou à porta deparou-se-lhe… A
janela estava aberta… E, uma vez dentro do gabinete, ao perceber que o patrão
estava morto… Não
mexera em nada, nem em nenhum objecto do escritório. Voltara
e fora telefonar… DA
VIZINHA: Tinha
visto o professor a trabalhar no escritório, como era hábito, cerca das 20
horas. Não
se recordava se a janela estava totalmente aberta, mas… parecia-lhe que sim. Ouvira
o tiro cerca das 20,15. Fora
à janela e vira tudo na mesma. O
engenheiro, agora, quer dizer, naquela ocasião, parecia adormecido sobre o
tampo da secretária. Pensou que se enganara. Talvez o ruído proviesse do
prédio em construção, nas traseiras. O
professor às vezes amodorrava o seu bocado, pelo que não estranhou vê-lo como
viu… ANÁLISE O
estado em que o corpo foi encontrado, não está no problema devidamente
esclarecido – a nível de exactidão para problema policiário – até porque nem
sequer se descrevem, em pormenor, os vestígios necessários para uma completa
resolução do problema. Assim, refere-se a existência de um buraco, um pouco
acima da orelha, por onde saíra o sangue. Não sabemos se existiria outro
buraco, do lado oposto, ou se só existiria aquele. Não sabemos, igualmente,
se o buraco se situava acima da orelha esquerda ou da direita. E também não
sabemos as características do orifício e das suas vizinhanças, isto é, se era
uma ferida irregular e dilacerada (características de buraco de saída) ou se
se tratava de um orifício regular, provocado pela entrada do projéctil e
ainda se à sua volta existiriam ou não vestígios de chamuscação causada pela
combustão da pólvora, o que aconteceria no caso de suicídio ou disparo à
queima-roupa. Por outro lado, normalmente acima das orelhas existe cabelo e,
a menos que o engenheiro fosse careca, o buraco não ficaria muito visível,
pois haveria de existir sobre ele uma pasta de cabelo empapado no sangue
coalhado. Logo, o buraco talvez apenas fosse visível a quem o catasse no meio
da cabeleira. É certo que o engenheiro, que andou na Guerra Mundial (qual
Guerra Mundial? Até ver – e oxalá fiquemos por aqui, já houve duas) talvez já
não seja assim muito propenso a longas ou fartas cabeleiras… Todavia, não há
como ver as coisas tim-tim por tim-tim
e pôr os pontos em todos os is,
pois não raras vezes as coisas se descobrem pela simples e inocente existência
de um cabelo fora do sítio… Nestas coisas do policiário, todo o cuidado é
pouco… Ei, tanto mais, que o sargento (sargento de quê?)… como é que aparece
a tomar conta do caso? É da G. N. R.?... Afinal, a Guerra em que participaram
tem de ser forçosamente a segunda, se não o «nosso» sargento já estaria
reformado ou talvez a fazer tijolo… Enfim.
Concluindo e abreviando quanto possível. Foi
crime. Come
se tratava de um indivíduo canhoto, que até tinha o lápis empunhado pela mão
esquerda, não iria – talvez seja isto que o autor do problema pretende – pôr
termo com a mão direita, e ter a maçada de, depois de morto (um balázio na
cabeça não o teria deixado em boas condições de o fazer) colocar o revólver a
seu lado, sobre o tampo da secretária. Pretende-se,
pois, que o homem fora assassinado. (Por quem? Pela criada? Por alguém que
logo após colocou a arma no sítio em que se encontrava? Alguém que talvez não
soubesse, não se lembrasse ou fosse tao estúpido que não raciocinou que a
encenação para suicídio ficava falseada.) Como
não sabemos se o escritório se situava no rés-do-chão ou em algum piso
superior (o mesmo em relação à vizinha), não sabemos se excluir a hipótese de
alguém ter entrado pela janela para praticar o crime, quando o engenheiro
«amodorrava», e saído depois calmamente. Como também não sabemos se ele guardava
cuidadosamente o revólver, e onde, igualmente não podemos concluir se essa
arma estaria – ou apenas estaria ao alcance da criada. A
literatura que aqui já estendi, sem especulação mas numa análise
pormenorizada de todas as hipóteses possíveis e imagináveis, já pretendeu concluir
que, tal como o sargento ao chegar, também a criada teria tido possibilidade
de, sem acender a luz, se aperceber da tragédia concretizada naquele espectáculo
deprimente e angustiante, tendo tido até, sem mexer em nada, ocasião de
PERCEBER – não quero dizer certificar-se, mas sim: ter a percepção; entender;
compreender; formar ideia – que o patrão estava morto. Não seria, aliás,
necessário que ela se certificasse da morte, para (transtornada pela observação
do espectáculo que até para o sargento, certamente mais familiarizado com
essas coisas, fora extremamente angustiante e deprimente voltar e telefonar.
Reforça-se esta intenção de (aceitando embora o débil pormenor, num caso real
motivador de minuciosa investigação), provar a debilidade desse mesmo
pormenor, até pelo facto de não sabermos quanto tempo depois do crime o
investigador chegou ao local. Reforça-se, ainda mais, na aceitação de que o
caso se passou em época do ano ainda bastante luminosa por volta das 20,15
horas, até porque a janela estava aberta, o que certamente não aconteceria em
tempo invernoso. Dizia
a criada que saíra, aliás, voltara e fora telefonar. Mas telefonar para quem?
Para o amigo do patrão, sargento, a fim de este providenciar como amigo, ou
para as autoridades onde estava o sargento, a fim de tomarem conta do
pretenso suicídio? Ou fora telefonar para o «magala», a dizer que logo à
noite já podia ir lá a casa conversar e beber uns uísques, porque o patrão se
finara e o terreno – melhor a casa – estava livre?... Há
muitas coisas que não estão devidamente esclarecidas no texto do problema,
mas não é difícil entender que o autor pretende que se acuse a criada como criminosa,
visto que, se não fosse ela o autor da morte do patrão, não poderia perceber
que ele estaria morto, se não tivesse mexido em algo, e, especialmente,
acendido a luz. Essa intenção do autor é acentuada, até, por aquela frase que
eu lá atrás já sublinhei. Aqui
termino este exercício de ginástica mental, um pouco desarticulado, aliás, em
virtude de o ter andada a executar a prestações e soluções, um bocado
enquanto a sopa arrefece, um bocado enquanto tomo a minha «bica» no café habitual,
enfim, aproveitando inúmeros pequenos lapsos de tempo, e nunca de forma a «agarrar»
nele de fio a pavio, o que, admito mas espero que não tenha acontecido,
poderia dificultar a clareza da exposição. |
© DANIEL FALCÃO |
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