Autor

Inspector Moisés

 

Data

18 de Novembro de 2011

 

Secção

Correio Policial [7]

 

Publicação

Correio do Ribatejo

 

 

OS CINCO E O LIVRO

Inspector Moisés

 

Formavam uma estranha comunidade: todos deficientes, acabavam, contudo, por se tornar úteis uns aos outros; melhor: imprescindíveis!

Havia um cego, outro que só andava em cadeira de rodas, um terceiro era mudo (paralisia da laringe), outro surdo (otosclerose), e o quinto media apenas cerca de 0,90 metros de altura.

Reformados (embora não se pudessem considerar velhos), sem família, ali viviam o resto dos seus dias, procurando na leitura, nas intermináveis conversas, nos passeios ao longo da quinta, nos serões da TV e da rádio ou nos mais variados jogos, ocupar os seus tempos agora sempre livres – ironia que o destino a todos reservara; enquanto tiveram toneladas de energia, faltara o tempo; agora, então, sobejava o tempo e, para alguns, já era bem escassa a energia…

Mas, contemos a nossa história.

Quando o meu amigo Eduardo de Castro foi visitar aquela casa, de que tanto ouvira falar, recebeu-o à entrada um dos locatários, que lhe disse: “O senhor, que tanto gosta de mistérios, vem mesmo a calhar, pois desapareceu um livro de muito valor da nossa Biblioteca e não há maneira de sabermos como isso sucedeu, nem quem o fez.”

Ao dirigirem-se à Biblioteca, passaram por uma sala, onde outro hóspede, de fato um pouco coçado (e em que se notava, sobretudo, certa sujidade nos ombros do casaco) rodeado de vária aparelhagem de som – gira-discos, gravadores, microfones, etc. – de olhar fixo e gestos mecânicos mas precisos, trabalhava atentamente, “gravando o programa interno, para esta tarde”, segundo disse.

O cicerone do meu amigo, dirigiu-lhe a palavra: “Estão cá todos?”

E ele respondeu: “Penso que não. O Edmir foi ao correio, como é costume.”

A cadeira de rodas continuou a indicar o caminho a Eduardo de Castro, até que chegaram, enfim, à Biblioteca.

O responsável por ela escreveu ao meu amigo o que se passava: “Só eu e o meu ajudante é que temos chaves desta sala. Mais: à altura da estante de onde desapareceu o livro, só é possível chegar com a ajuda do escadote, que, por acaso, passou toda a noite no meu quarto, pois precisei de substituir a lâmpada do tecto, ontem, e não quis fazer barulho a trazê-lo de novo para aqui.”

Eduardo de Castro observou que as estantes tinham algum pó e que, no local de onde fora retirado o livro, havia várias impressões digitais, pelo que pediu a presença de todos, ali, afim de as poder comparar.

Edmar saiu e, passados instantes, regressou na companhia de Edgar.

As impressões digitais encontradas eram de dois tipos diferentes: umas, iguais às de Eduardo, mas as outras não correspondiam a ninguém conhecido…

O meu amigo escreveu, então, umas linhas de papel que entregou ao ajudante do Bibliotecário. Este leu o papel e falou assim: “Ontem à noite, antes de me ir deitar, vim a esta sala, com o Edmaro, e posso garantir que o livro ainda ali estava. A minha chave esteve sempre comigo, na mesinha de cabeceira, de onde a tirei hoje, bem cedo, quando aqui voltei disposto a limpar o pó e a dar uma arrumada a tudo. Foi nessa altura que dei pela falta do livro.”

O Bibliotecário confirmou, acenando com a cabeça, em gesto afirmativo…

Eduardo de Castro quis, então, visitar os quartos, que percorreu e inspeccionou de alto a baixo. Aliás, sem resultado. Do tal livro nem sombra. Não havia dúvida que não estava naquela casa. Ficou, no entanto, a saber que o Edgar dormia com o Edmur e o Edmir, enquanto que os outros dois ficavam noutro quarto, ao lado.

O meu amigo ficou por uns instantes pensativo, depois de ter dado por findas as investigações. Finalmente, murmurou: “Realmente, o livro foi roubado e posso afirmar que nem foi ninguém estranho a esta casa quem o tirou. O assunto está resolvido!”

Nesse preciso momento, chegou Edmir com o correio mas, desta vez, nem a sua chegada (que nem sempre causava alguma excitação entre todos “para saber se veio alguma coisa para mim”) foi o bastante para quebrar o interesse de que todos estavam possuídos. E foi já na presença dos cinco deficientes que Eduardo de Castro desenvolveu então a sua ideia e desvendou o mistério do livro desaparecido – que, aliás, comprovou imediatamente.

 

Pede-se:

1º – A indicação das deficiências e das actividades correspondentes a cada um dos cinco nomes citados no texto (as actividades podem resumir-se assim: cicerone, operador de som, correio, bibliotecário e ajudante de bibliotecário);

2º – A justificação de como chegou a esse resultado;

3º – A indicação de quem roubou o livro;

4º – A justificação da afirmação feita sobre a alínea anterior, com a explicação de como pensa que tudo se tenha passado.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO