Autor Data 1 de Agosto de 2024 Secção Competição Torneio
Cultores do Policiário Problema Policiário nº 8 Publicação Blogue Repórter de Ocasião |
MORTE NA LEGIÃO Inspector Pevides O
caso que vou contar passou-se há muitos anos num forte da Legião Estrangeira,
em pleno Magrebe francês. Entre
os militares recrutados para esta força internacional havia sempre elementos
cujo passado criminoso era por demais conhecido porque o costume era não
fazer muitas perguntas na altura da admissão às fileiras. O
certo é que um soldado foi assassinado com um tiro de pistola à queima-roupa. Naquela
altura, apenas um oficial e quatro praças, incluindo o assassinado, se
encontravam no forte pois o grosso da tropa tinha saído em manobras. O
oficial era francês e chamava-se Paul Duval. A
vítima era um árabe chamado Ali Babas com o número 3027. Havia
um português chamado Carlos Oliveira com o número 5618. Depois
um espanhol de nome Manolo Gutierrez
e número 8165. Finalmente
um croata Ivan Vilovic número 7203. No
momento do crime o disparo foi ouvido por todos os homens à excepção de um deles (segundo o seu depoimento). Na
realidade, o croata era conhecido por ter um sono tão pesado que só era
acordado com um copo de água no rosto ou depois de bem sacudido. Bem o podiam
chamar aos berros que ele não acordava, nunca. Mas
vamos aos factos. Depois de se ouvir
o tiro, os outros quatro acabaram por aparecer no local do crime bastante
tempo depois, um de cada vez e espaçados. O fortim era grande e espaçoso e, o
som do disparo, ecoando pelas paredes nuas, não facilitava a identificação
rápida do local de onde provinha. Quando lá chegaram viram o Ali Babas
sozinho, deitado de costas, com um ferimento no peito de onde sangrava
naturalmente. Via-se,
no entanto, um pormenor importantíssimo. Antes
de morrer, o pobre homem tinha escrito com o próprio sangue algo em dois
pedaços de papel. Pequenos pedaços tipo “post-it”.
Talvez porque a mensagem pretendida não cabia num só. O quarto, digamos melhor, a cela, onde pernoitava, tinha a janela
aberta e o vento do deserto fazia oscilar os dois pedaços de papel, como que
a chamar a atenção para a mensagem que continham. O
oficial francês procedeu a uma peritagem rudimentar, mas verificou sem dúvida
que as coisas escritas tinham sido mesmo feitas pela vítima e não por outrem. Vejamos
agora os depoimentos de todos os suspeitos: 1
– Carlos Oliveira. Eu
estava a tomar banho. Quando ouvi o tiro enrolei uma toalha à pressa e vim a
correr para o lado de onde me pareceu vir o ruído. Ouvi
também o som distinto de alguém a correr logo a seguir ao tiro e, algum tempo
depois, o som de outra corrida. Ao passar pela camarata, vi o Ivan a dormir e
aproveitei para o acordar sacudindo-o violentamente. Sei que o Ali tinha
várias inimizades entre a malta. 2
– Manolo Gutierrez. Estava
a escrever uma carta para a família quando ouvi o tiro. Depois de um momento
de indecisão (não é raro haver disparos involuntários por falta de cuidado no
manuseamento das armas) corri para o local que me pareceu onde se originou o
disparo e nada mais sei. 3
– Ivan Vilovic. Não
dei por nada. Estava a dormir. O português acordou-me e por isso fui o último
a chegar ao pé do morto. O
capitão Duval reuniu os elementos que tinha conseguido apurar e começou a reflectir sobre o assunto. A
ordem de chegada ao local do crime tinha sido a seguinte: primeiro ele
próprio. Depois o português seguido do espanhol. Finalmente o croata. Quem
teria sido o assassino? Na
sua mesa tinha os dois pedaços de papel escritos a sangue. O
primeiro tinha caracteres árabes e através de um dicionário conseguiu
traduzir a única palavra: Qátil = assassino. O
pouco que conhecia da língua árabe dava-lhe para saber que a escrita das
palavras era sempre feita da direita para a esquerda. O segundo papel, aparentemente, incluía uns
caracteres que se podiam identificar como letras latinas, letras tais que
podiam ser OLIV e, nesse caso, apontavam para acusar directamente
o português Oliveira. No entanto, sempre estivera convencido
de que o Ali Babas só sabia escrever árabe. Será que tinha feito um esforço
para alinhar caracteres latinos? O
único que parecia ter um álibi sólido era o croata cujo sono pesado tinha
sido testemunhado pelo presumível assassino. Nessa
noite, deitou-se tarde e as letras árabes não lhe saíam da cabeça. De
madrugada, não conseguindo dormir mais, levantou-se e foi buscar um manual de
aprendizagem de árabe. Ao folhear, reparou em algo que o sobressaltou. Eureka!
Já sei quem foi o autor do crime. Afinal o que parecia não era. O Ali Babas
revelou tudo no estertor da morte. E
assim foi. O culpado, que actuou sem cúmplices,
depois de devidamente confrontado com a acusação, confessou o crime e o caso
ficou resolvido. E
o leitor? Tem
alguma ideia de quem o Babas quis acusar? Não
se esqueça de explicar a sua teoria. |
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© DANIEL FALCÃO |
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