Autor

Inspector Zacarias

 

Data

8 de Março de 1979

 

Secção

Mistério... Policiário [207]

 

Competição

Torneio “Detective Misterioso"

Problema nº 3

 

Publicação

Mundo de Aventuras [283]

 

 

CRIME OU SUICÍDIO NA RUA DO ARCO?

Inspector Zacarias

 

Eram 14 horas quando Gomes, o meu ajudante, entrou no meu gabinete, na Judiciária.

– Chefe, temos trabalho. Ao que parece um caso de suicídio.

Logo por azar! O dia havia começado tão bem! Estava um sol magnífico, e a temperatura era surpreendente para um dia de Janeiro. Encontrava-me a acabar de alinhavar uns relatórios e, foi pesaroso e contrariado que me levantei da cadeira. Mas o dever chamava-me e que remédio tinha eu senão obedecer.

Instalei-me no carro, a caminho da Rua do Arco. Durante o trajecto tirei o casaco e desapertei a gravata. De facto, era fantástico aquele calor, quando ainda no dia anterior chovera a cântaros! O Gomes não conhecia o caminho e eu também não. Por isso, tivemos de parar e perguntar a uma senhora que vinha carregada de compras, trazendo à trela um amável e simpático cãozinho que se esforçava por me morder a gravata nova.

– Os senhores seguem em frente e depois viram à direita. É logo aí a Rua do Arco.

Seguimos de novo, não sem antes verificar se a gravata continuava intacta…

Pouco depois, encontrámos uma placa num ângulo de parede, dizendo: Rua do Arco. Parámos no 49. Saí do carro e limpei o suor da testa. Por sorte, a notícia do suicídio ainda não alastrara, encontrando-se a rua bastante calma, sem os habituais curiosos. Antes assim. Prefiro trabalhar em sossego. Não consigo concentrar-me com barulho, ao contrário de um brilhante inspector que conheci que só conseguia a necessária concentração com barulho à volta. Procurava mesmo, os locais mais ruidosos da cidade, como cafés, praças, bares e até discotecas! Caso raro.

Toquei à campainha. Logo de seguida veio abrir um cavalheiro bem posto, mas cuja face apresentava sinais de preocupação e inquietação. Foram feitas as necessárias apresentações e ele disse:

Fui eu que telefonei para os senhores. Sou irmão do morto. Costumo vir visitá-lo todos os dias e até tenho chave. Abri a porta e chamei por ele, mas nada. Julguei que não estivesse mas ao entrar vi aquele triste espectáculo. O meu irmão encontrava-se enforcado o indivíduo, nitidamente emocionado, não pôde evitar duas lágrimas teimosas , telefonei logo para os senhores. Ainda não estou em mim!

Vê alguma razão que tivesse levado o seu irmão ao suicídio? perguntei.

A única que vejo, é que ele andava a tratar do divórcio com a mulher… Eu sou advogado e até estava encarregado do caso. Foram felizes em tempos, mas as coisas começaram a deteriorar-se e ela acabou por requerer o divórcio. Porém ele parecia resignado e nada faria prever isto.

Enquanto falávamos, o irmão conduzia-nos, lentamente, para a sala. Ao chegar vi o corpo enforcado. Aparentava uns 25 anos e era de estatura baixa. Pendia de um forte prego de adereço cravado na trave imitada, que me pareceu perfeitamente resistente. Aproximei-me mais. Enquanto observava o corpo atentamente, apoiei as mãos no tampo de uma mesa leve que estava em frente dele, quase o tocar no corpo, talvez aquela onde ele se teria colocado para depois se lançar nas mãos tenebrosas da morte…

Sempre que observava jovens como aquele, sentia uma sensação de quase desespero que às vezes nem me deixava raciocinar friamente. E este caso não era excepção. Os cabelos louros e selvagens do jovem, razoavelmente penteados, os seus olhos azuis semicerrados, o seu nariz pequeno e fino ligeiramente arrebitado, a sua cor apagada, a boca fechada, ladeado por dois lábios agora arroxeados, não lhe roubavam o seu ar juvenil. Vestia uma camisa vermelha com as mangas arregaçadas e uns «jeans» azuis, enquanto calçava umas sapatilhas brancas, ligeiramente sujas. Desviei o olhar daquele quadro angustiante e observei atentamente a sala. Tinha o aspecto típico da casa de um solteirão… Notava-se uma ligeira desarrumação, própria de um homem que vive só.

O irmão havia-se sentado num sofá onde se via um jogo de xadrez, arrumado. Parecia absorvido nos seus pensamentos. Convidei-o a mostrar-me o resto da casa, ao que ele acedeu, mudamente.

A vivenda, de janelas abertas, encontrava-se banhado de sol. Dava uma sensação de alegria depois dos chuvosos e cinzentos dias anteriores, mas a situação não mo permitia. O seu quarto encontrava-se arruinado e sobre o giradiscos repousava um disco da moda. Apenas a cozinha estava desarrumada. O jovem já tinha almoçado, e bem, pelos restos que eu via. A cozinha era moderna e funcional e observando alguns pequenos pormenores, desde as cortinas à cor dos paredes, via-se que ali já tinha andado mão de mulher.

A esposa do morto, certamente. Passei o olhar pelo esquentador e verifiquei que este se encontrava aceso. Esquecimento? Apontei tudo no meu bloco.

Entretanto a carrinha para levar o cadáver já chegara. Gomes e eu, depois de nos despedirmos do irmão, saímos. Precisava de apanhar ar, embora este se encontrasse abafado. Em frente da vivenda já começava a juntar-se muita gente que se interrogava sobre o sucedido…

Então, inspector, que pensa sobre tudo isto? inquiriu o meu ajudante.

Suspirei fundo, cocei o queixo e respondi:

Trata-se de

 

1 – …Crime ou suicídio?

2 Explique convenientemente em que baseia a sua resposta.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO