Autor Data 16 de Abril de 2017 Secção Competição Prova nº 3 Publicação Audiência GP Grande Porto |
MORTE NA BANHEIRA Inspetor Boavida O subchefe Pinguinhas
estava furibundo. Nunca um dia da sua já cinquentenária vida tinha começado tão
mal. O despertador não tocou de manhã, as torneiras de sua casa não brotavam
uma gota de água, o automóvel só pegou de empurrão e ao chegar ao gabinete de
trabalho deparou com mais três novos processos em cima da sua secretária,
onde já existia uma imensa pilha de casos pendentes. Quando estava a tratar, de
uma forma apressada e improvisada, da sua higiene pessoal na casa de banho do
posto onde presta serviço, o superintendente Pezinhos chamou-o com urgência
ao seu gabinete. De cara mal lavada e ainda com restos de gel de barbear no
canto da orelha direita, o subchefe Pinguinhas perfilou-se em frente ao seu
superior e nem queria acreditar no que os seus ouvidos escutavam: o
engenheiro Barbosa Ramos, que vivia ali a pouco menos de duzentos metros,
estava há mais de duas horas enfiado no seu quarto de banho e não respondia
ao chamamento da criada. Destacado pelo seu superior
hierárquico, o subchefe Pinguinhas dirigiu-se a casa do engenheiro para se
inteirar do sucedido. Ao chegar ao local, identificou-se à criada e
dirigiu-se de imediato ao quarto de banho. A porta estava fechada, mas, como
se tratava de uma fechadura vulgar, conseguiu abri-la com a maior facilidade,
com recurso ao molho de chaves de trabalho que traz sempre consigo. Lá dentro
deparou com um cenário pouco agradável. Entre os vapores da água, jazia
Barbosa Ramos. A sua cabeça estava tombada sobre o peito. E, na nuca, tinha
uma brecha enorme. Não havia dúvidas: a morte fora instantânea. O subchefe Pinguinhas olhou
de forma minuciosa para todo o interior da casa de banho e não encontrou nada
de relevante fora do seu sítio natural. Voltou-se depois para a criada e
“disparou” a pergunta inevitável: O que se passou aqui? – “Após mais uma
violentíssima discussão, motivada por ciúmes doentios, com a mulher e com o
irmão, o senhor engenheiro fechou-se no quarto de banho para o seu habitual
banho de imersão, que eu lhe preparo todas as manhãs, passava muito pouco das
nove horas. Voltei para a cozinha e cerca de dez minutos depois ouvi sair o
irmão, furioso, batendo com a porta da rua. A senhora saiu por volta das dez
horas, como é costume, para a sua aula de musculação diária no ginásio.” Enquanto o subchefe
Pinguinhas olhava disfarçadamente para o corpo roliço e apetecível da criada,
esta prosseguia o seu depoimento: – “Eram quase onze horas e o senhor
engenheiro continuava no quarto de banho. Estranhei e resolvi bater à porta,
mas não obtive resposta. Ainda procurei ver alguma coisa pelo buraco da
fechadura, mas não consegui ver fosse o que fosse. Foi então que decidi
telefonar para a polícia e depois para o irmão do senhor engenheiro e para a
mulher, que devem estar por aí a chegar.” Naquele preciso momento
irromperam pela porta da casa o irmão e a mulher da vítima, que foram de
imediato postos ao corrente da ocorrência e objeto de interrogatório sumário,
em separado. O irmão de Barbosa Ramos confessou que naquela manhã tinha tido
uma discussão acalorada com o engenheiro, situação que era recorrente há um
mês a esta parte, e que saiu furioso porta fora quando ele foi tomar o seu
habitual banho matinal. A mulher do engenheiro foi dizendo, entre lágrimas e
entrecortados soluços, que amava muito o seu marido e que será incapaz de
suportar o desgosto de o perder, apesar de nos últimos tempos a relação entre
eles ter esfriado um pouco devido a ciúmes. O subchefe Pinguinhas
voltou ao quarto de banho do engenheiro, mirou de novo o cadáver meio sentado
na água fria da banheira, olhou fugazmente para a viúva, esboçou um sorriso
enigmático para o cunhado desta e deitou um olhar malicioso para as pernas da
criada. Depois, regressou à sala de estar, pegou no seu telemóvel e ligou
para a Polícia Judiciária. Como terá morrido o
engenheiro Barbosa Ramos? Estaremos perante um caso de homicídio ou suicídio?
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© DANIEL FALCÃO |
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