Autor Data 20 de Março de 2018 Secção Publicação Audiência GP Grande Porto |
O INSPETOR FIDALGO DESVENDA O CRIME Inspetor Fidalgo Estava um
daqueles dias aborrecidos, pastosos, complicados, em que nada apetece fazer.
O céu estava bem carregado e havia tempestade no ar. O Inspetor Fidalgo detestava
esses dias. Por sua vontade deitava-se a dormir, numa inconsciência total,
alheado de tudo e de todos… Só que o crime espreita em cada esquina e foi assim
que lhe comunicaram que o famoso financeiro Antero Billardo
aparecera morto, em sua casa, em circunstâncias bastante estranhas. Crime, ao
que tudo indicava, mas tornava-se necessária a sua presença, por via das
dúvidas… A casa era
verdadeiramente espantosa e a sobriedade misturada com um requinte exótico
transformava aquele ambiente num misterioso quadro digno das mil e uma
noites. O frio intenso que se fazia sentir no interior do escritório
contrastava com o calor abafado e doentio que andava à solta nas ruas. No
chão, bem perto da janela escancarada, jazia o corpo da vítima, deitado de
costas, com os olhos azuis fitando o branco do teto. No peito, lá estava a
marca produzida pela arma da morte, um punhal de cabo prateado, que estava
abandonado no outro extremo do compartimento. O inspetor
olhou para os presentes, aguardando algum sinal que o pusesse na rota certa.
E ouviu: – Senhor
inspetor, eu sou o primo do Antero, chamo-me Afonso e tenho alguma coisa a
contar-lhe, mas gostaria que fosse em privado… Retiraram-se
para um canto… – Eu fui o
primeiro a chegar ao escritório, onde ia falar com o meu primo de uns
projetos de negócio em que ando embrenhado… Ia pedir-lhe uma opinião e
também, porque não confessá-lo, um financiamento! Só que não tive tempo… Ao
chegar, ele já estava morto… O assassino deve ter entrado pela janela e
matou-o. O que ele não sabe é que o meu primo deixou um sinal… – Um sinal?
Que sinal? Não notei nada de especial… – Claro que
não porque eu apaguei-o para não espantar o assassino… Sabe, o meu primo tem
sempre a mania de estar com a janela aberta de par em par e, como é um andar
térreo, sujeitava-se ao que aconteceu… Mas o que o assassino não sabe é que
ele não morreu logo… Viu onde estava o punhal? O meu primo arrastou-se até
junto da janela e escreveu no embaciado do vidro o nome do criminoso… – Estranha
história… – Eu sei, mas
é a verdade. Está aqui a prova, nesta máquina fotográfica com que fotografei
o vidro embaciado e o nome do criminoso… Leia só. – ADRIANO…
Quem é o Adriano? – É o
secretário do meu primo… Ou melhor, era. O Adriano
metia os pés pelas mãos, não sabia o que tinha feito em determinadas horas,
não sabia dizer a que horas tinha estado pela última vez com a vítima,
mostrava-se, em suma, baralhado e assustado. – Senhor
inspetor, não sei de nada… Eu não tenho nada a ganhar com a morte do meu
patrão… Nada! Não me lembro das horas porque aqui perdemos a noção do tempo, não
temos horários a cumprir, nada!... Sim, é verdade, que o patrão estava sempre
com a janela escancarada e hoje mesmo, de manhãzinha, quando vim do mercado, notei
a janela aberta e vi o vulto do patrão a trabalhar… – Também o
Silveira, o carteiro, confirmou que pelas 9 horas da manhã, quando passou,
ele estava vivo e bem vivo, porque lhe entregou a correspondência em mão, pela
janela, tendo estado até um pouco à conversa. O resultado
laboratorial apontou a hora da morte para as 11 horas e o Inspetor Fidalgo
meditava… A – O
assassino foi o carteiro, talvez farto de entregar a correspondência numa
casa tão isolada. B – O
assassino foi o Afonso porque inventou toda a história e simulou o sinal no
embaciado do vidro. C – O
assassino foi o Adriano, denunciado a tempo pelo patrão ao escrever o seu
nome no embaciado do vidro. D – Não houve
crime, mas apenas e só suicídio, talvez por estar farto da vida de escravo
que levava ou por os negócios não estarem tão bem como desejaria. |
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© DANIEL FALCÃO |
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