Autor Data 30 de Abril de 2018 Secção Publicação Audiência GP Grande Porto |
O INSPETOR FIDALGO HESITA Inspetor Fidalgo Decorria o mês
de fevereiro e no céu carregado de nuvens os relâmpagos sucediam-se e, ritmo
demolidor, entremeados pelo ribombar dos respetivos trovões. O inspetor Fidalgo
estava sentado numa cadeira desconfortável, junto à janela, desafiando os
conselhos que os colegas lhe davam para se afastar dos vidros. Era deprimente
ver a vida passar sem ter capacidade de lhe pôr um travão e dizer: – Alto aí!
Quero viver! Foi então que
o Firmino, seu “velho” amigo e colega lhe telefonou, dando conta de um caso
insólito, reclamando a sua presença, caso pudesse. Firmino era um
polícia bastante curioso, principalmente porque parecia tudo menos um
polícia. Desde sempre estivera ligado ao mar e nunca quisera mudar, mesmo
quando lhe ofereceram um melhor cargo… – O mar sou
eu… E tudo para mim e nunca me separaria dele! Firmino foi
contando a história e o caso que tinha em mãos foi ganhando contornos… – O Tadeu era
um tipo espetacular. Ele saltava da prancha mais alta, ele mergulhava mais
fundo, ele aguentava dentro de água o que mais ninguém conseguia… Olha,
Fidalgo, o tipo era excecional!... Só que, como tudo na vida, há momentos em
que tudo nos corre mal e o dia do Tadeu foi hoje… – Que
aconteceu? – Ora, o que
quase sempre acontece a quem se arrisca de mais para se manter na crista da
onda, desafiou o mar neste estado e acabou por ser vítima dele… – Se assim
foi, quero dizer, se tens a certeza absoluta, não entendo porque me chamaste…
– Porque há um
pormenor que me escapa e não consigo fazer encaixar em toda esta história…
Mas, deixa-me pôr-te ao corrente do que se passou… – O Tadeu
namorava uma tipa que todos chamavam Nina, que não era propriamente uma
santinha, até eu a apanhei algumas vezes com outros moços a fazer coisas que… Compreendes… Pois bem, o Tadeu não parecia saber de
nada e continuava todos os dias a vestir o seu calção de banho, dava duas ou
três corridas pelo areal, ora mais depressa, ora mais devagar, procurando
sempre pôr os pés em sítio seguro, portanto com passos pouco regulares…
Sabes, a praia está um tanto suja e o Tadeu não queria ferir-se nas pedras ou
em qualquer objeto abandonado… – Está bem, mas… – Espera, não
sejas precipitado, se te estou a contar toda a história é porque acho que te
deve interessar, ou não será? Olha, o que sei é que hoje de manhã, como todos
os dias, vim para a praia às oito horas, mais minuto menos minuto e estranhei
ver a Nina com o Sérgio lá em cima, nas “portas”, tanto mais que eu sabia bem
que o Tadeu, a essa hora e apesar do inverno, já devia estar dentro de água e
de lá, com toda a facilidade se vê o local onde a Nina estava na “marmelada”…
Não sei se estás a ver… mas, quando aqui cheguei, olhei para o mar, voltei a
olhar e tu sabes que a minha vista nunca se engana, mas não vi o Tadeu…
Compreendi que, por qualquer motivo, não viera, o que seria a primeira vez,
mas há sempre uma primeira vez, não é verdade? – Só que?... – Só que,
olhando com mais cuidado pude ver um vulto estranho na praia, em pleno areal
e quando me dirigi a ele, verifiquei que não era mais que o corpo sem vida do
Tadeu… Com os seus calções inconfundíveis, corpo molhado, sem marcas
aparentes de qualquer violência… – Continuo a
não perceber porque é que… – Calma,
calma… Junto dele nada mais havia que pegadas, em que se viam os saltos dos
sapatos claramente definidos, vindas do paredão até ao local, de um indivíduo
que calçava para aí o número 43, com marcas ao lado, por vezes coincidentes,
de um outro tipo, a calçar mais ou menos o mesmo, mas muito mais leve… O
curioso é que ambas as pegadas desaparecem no local do crime, a curtos metros
do mar, parecendo que ambos entram pelo água dentro… Eu quase que jurava que os sapatos eram os
mesmos, mas nesta época de uniformização, em que toda a gente anda de igual,
nem sei se o afirme… É verdade, corri a praia de lés a lés,
do rochedo nascente ao rochedo poente e não vi qualquer marca da saída dos
tipos que estiveram junto ao corpo… Cheira mal, tudo isto… – A Nina e o
parceiro? – Sei lá, o
tipo é pesado, mas ela não calça um número tão grande… Não encaixa muito bem
e menos ainda o ficarem por ali. Seria mais lógico desaparecerem… Claro que
dizem não saber de nada… E podem ter mudado de sapatos… Não sei… – O inspetor
Fidalgo hesitou… A – Foi a Nina
e o parceiro que acompanharam o Tadeu até ao local do crime, o mataram e
fugiram por dentro do mar até às rochas por onde subiram. B – Foi apenas
a Nina que o acompanhou ao local do crime, em ambiente descontraído. Depois,
matou-o e fugiu pela água, subindo por um dos rochedos, indo ter com o seu
parceiro. C – Alguém,
calçando 43, o matou, conduzindo-o pelo areal, às costas ou ao colo,
largando-o naquele local, junto ao mar, regressando ao local de partida,
confiando em que vento e mar apagariam as marcas. D – Alguém que
calçava 43 o matou, transportou pelo areal e largou no local onde foi
encontrado, tendo o cuidado de o transportar de modo a que fosse deixando
marcas na areia, formando os dois pares de pegadas que foram observadas,
fugindo o assassino pelo mar e trepando os rochedos, desaparecendo de
seguida. |
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© DANIEL FALCÃO |
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