Autor

Jartur Mamede

 

Data

8 de Novembro de 1992

 

Secção

Policiário [71]

 

Competição

Torneio de Preparação

Prova nº 1

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

NO SILÊNCIO DA NOITE!...

Jartur Mamede

Apresentada por José Augusto Rodrigues da Silva

Elementar meu caro Watson! –diria Sherlock Holmes. Na verdade, é perfeitamente evidente que o autor do crime foi o próprio marido da vítima.

Fundamentos:

1. Se “a Polícia logo surgiu/ e deu com a morta gelada”, incontroverso é que a morte se verificara já há várias horas, pois de contrário não seria essa a temperatura que o corpo apresentaria.

2. “Nem sequer uma pegada/ nem pistola nem canhão.” (…) “A Polícia inspeccionou tudo em volta com cuidado.” O conhecimento de tais factos, aliados à conclusão obtida em 1, dão-nos a certeza de que o crime não foi ali cometido e que a vítima ali foi abandonada pelo seu algoz muito tempo após a perpetração do acto criminoso.

3. De resto, é o que nos pretende dizer o verso “sem um ai, sem um suspiro/ um corpo caiu no chão/ e ouviu-se soar um tiro/ no meio da escuridão”. De facto, a ordem sequencial está trocada: primeiro a queda do corpo, depois o tiro. E a causa da morte até fora o estrangulamento… Logo, o tiro foi apenas e só para dar o alarme, para que o corpo fosse rapidamente encontrado.

4. Para além do mais, existiria necessariamente pegadas da vítima e do assassino, no local, se o crime ali tivesse sido cometido, porquanto o carro, ao arrancar, deixou sobre o asfalto marcas de barro e a Polícia, ao inspeccionar tudo em volta com cuidado, não encontrou sequer urna pegada. Nem sequer da vítima… como iria ali ter, sem pegadas?

Portanto, crime ali não cometido, e o corpo apenas ali “despejado” do carro, pelo assassino, e um tiro por este disparado pelas razões já expostas.

5. “Estava semidespida/ com a blusa rasgada/ e a cuequinha descida, mas não fora violada/ por quem lhe tirara a vida.” Logo, o móbil do crime não fora o que se pretendia evidenciar – obviamente para despistar quanto ao seu autor.

6. Porque “nem a carteira roubada/ pois estava no chão caída/ e na carteira da finada/ tudo fazia sentido”, também o móbil do roubo não podia ser admissível.

7. Mas tinha o nome do marido logo ali à vista. Curioso. Porquê? Nem sequer é natural… Claro que pela razão do tiro: para conduzir a Polícia de imediato até junto dele e encontrá-lo em casa, com este pretendido álibi.

8. “Bem vestido e acordado.” Bem vestido, à noite, em casa, a ver televisão? Não seria mais natural, nessas condições, a utilização de uma indumentária mais ligeira, quiçá até um pijama ou roupão?

9. De qualquer modo, mesmo que tais indícios bem reveladores da sua culpabilidade não existissem, o marido da vítima logo se encarregou de “assinar” a sua confissão de culpa, ao declarar que a mulher saíra há meia hora. É que, apenas poucos minutos antes, ele aparecera já gelado…

10. E se, como disse, ela se foi embora, porta fora, sem dizer nada a ninguém, como saberia ele que a mulher saíra para ir a casa da mãe? Com todos estes factos, a culpabilidade já não deixava margem para dúvidas. Mas há mais…

11. O inspector, ao sair, junto à garagem, “ouviu estalidos e um miado, e um gato da vadiagem, viu sobre o ‘capot’ deitado”. Claro, os estalidos provinham do motor do carro, resultantes do seu gradual arrefecimento, factor demonstrativo da sua recente utilização e chegada.

12. E não é que o tal gato vadio contribuiu também para incriminar o criminoso? Logo o bicho se havia de ir deitar sobre o “capot” do carro, desfrutando do calor que ele ainda transmitia, chamando para o facto a atenção do inspector

E é tudo.

© DANIEL FALCÃO