Autor Data 1 de Junho de 2008 Secção Publicação O Almeirinense |
TRAGÉDIA NO CIRCO Jartur Mamede No
interior do “Circo Lança”, uma parelha de trapezistas executava vários
lances, ensaiando um novo número que seria estreado no espectáculo
da noite. Os
trapézios oscilavam numa dança diabólica e os acrobatas pulavam, de um para o
outro, com infalível precisão. Os corpos, suados, confundem o seu brilho com
o das roupas que os cobrem, parcialmente. De tronco forte e membros
musculosos, o homem faz prodígios de acrobacia. Mas a sua companheira não lhe
é inferior. Lá
fora, com o rosto colado às tábuas, garotos espreitam através das fendas do
madeiramento que rodeia o circo. Sempre que o polícia de giro se aproxima, um
dos garotos dá o alarme e o bando dispersa rapidamente, ocultando-se os
rapazes nas barracas circunvizinhas. Mas o “inimigo” afasta-se e a garotada
volta a guarnecer os seus postos de observação. Entretanto,
após breves momentos de descanso, os trapezistas recomeçavam as suas
evoluções no espaço, procurando conseguir os movimentos mais belos e
temerários. Algumas
cordas e escadas da mesma matéria, pendentes dos paus que suportam o toldo,
estendem-se até ao solo, roçando os coçados tapetes que cobrem a pista. O
circo está silencioso. Apenas as cordas rangem e o vento sibila, fustigando o
pano gigantesco e colorido. Súbito,
um grito de terror ecoou no vazio do circo. Os
garotos debandaram, apavorados. A corrida foi curta, porque depressa
retrocederam, desejosos de saber o que se havia passado para além do
madeiramento. Os olhos dilataram-se-lhes e as pernas fraquejaram, mas logo o
grito que anunciava a reaproximação do guarda os dispersou, uma vez mais. O
polícia, que se apercebera da debandada, parou. Olhou à sua voltou e resolveu
lançar também um rápido olhar para o interior do circo. A mesma expressão que
se havia estampado nos rostos dos garotos caracterizava agora a cara do
cívico. Era
bem macabra a cena que lhe provocava tal reacção.
Num dos extremos da pista, um corpo de mulher estava caído, inerte, sem
apresentar sinais de vida e sangrando abundantemente do crânio. O
guarda continuou espiando; uma porta abriu-se e alguém gritou: –
Acudam! Acudam! Alguns
feirantes das tendas mais próximas acorrem prontamente e, seguindo o polícia,
entram no circo, de onde alguns voltam a sair pouco depois, procurando um
médico. Tal
cuidado, porém, era já desnecessário. A jovem, que há instantes voava entre
os trapézios, com toda a graça e leveza de uma gaivota, era agora apenas um
corpo morto. E, quando o médico chegou, nada havia a fazer. Decorridos
alguns dias, os espectáculos recomeçaram e Marcos
foi assistir, convidado por um dos artistas, a uma das sessões nocturnas. – Quanto a mim – dizia o artista a Marcos –
custa-me a crer que a Dina tenha falhado. Era a nossa melhor acrobata, de
sangue frio a toda a prova. A ele, acho-o capaz de tudo... E
por esta confidência, que ao “detective” pareceu
sincera, é que Marcos se decidiu a ouvir o homem que até há pouco fora o
marido da infeliz trapezista. Levada a efeito a apresentação, Marcos
conseguiu que o homem relatasse o trágico acontecimento: –
Eu estava a trabalhar num dos trapézios, quando a Dina falhou o salto.
Instintivamente, estendi os pés e ela conseguiu agarrar-se; cairíamos logo,
se eu não lograsse agarrar uma das cordas. Mas, com o duplo peso, eu não
podia segurar-me e, ainda que abraçado à corda com pernas e braços,
escorreguei velozmente. Foi então que as mãos dela se desprenderam do meu
corpo e ela caiu, sem que a minha descida fosse abrandada. Na queda,
desamparada, Dina bateu com a cabeça no rebordo da pista. E é tudo. Eu nada
sofri, pois desci abraçado à corda, até cair, de pé, no solo. Corri, depois,
a gritar por socorro. –
Mas o senhor não se feriu em parte alguma – observou Marcos, fitando o homem
com olhar interrogador. –
Não, senhor Marcos! Como já disse, caí de pé. Enquanto que
minha esposa perdeu a vida, eu nem sequer uma beliscadura tenho. Cheguei cá
abaixo tal como havia subido antes. Marcos
ouviu e calou, conquanto não acreditasse na versão do homem. Algo lhe dizia
que ele mentira, descaradamente. Naquela
mesma noite, o homem recebia voz de prisão e confessava ter sido o culpado da
morte de sua mulher. Perguntamos
ao leitor: Em que se baseou a polícia para deter o trapezista? Qual o
eventual móbil do crime? Como se terão passado, realmente, as coisas? |
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© DANIEL FALCÃO |
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