Autor Data 8 de Dezembro de 2013 Secção Policiário [1166] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2013 Prova nº 10 (Parte I) Publicação Público |
Solução de: VENHAM DE LÁ ESSES OSSOS… Júlio Penatra & Gá B
– Isto é muito interessante… e mais interessante seria se a nossa descoberta
tivesse alguma coisa que ver com a história do lenhador de que falámos. E
– Ó meu! E por que é que havia de ter? Alguém pode explicar-me? Talvez.
Vejamos, então: –
O que foi que aconteceu? A
malta descobriu uma moeda, de cobre, de 3 réis, no bosque do Tojo, em
Castanheira do Ribatejo. Quando
voltaram à procura de moedas de oiro, o que encontraram foram ossos. –
Quando ocorreram as descobertas? No
último fim-de-semana de Setembro de 1968 e no primeiro fim-de-semana do
Outubro seguinte. –
Quais as questões levantadas? Do
texto ressalta que, pelo menos, 2 questões principais se levantaram no
espírito da malta: 1ª
– Haveria moedas de ouro enterradas no mesmo local? 2ª
– Teriam os ossos descobertos alguma coisa que ver com a história do
lenhador, de que tinham falado no acampamento do fim-de-semana anterior? –
Quais os indícios recolhidos? Quanto
à moeda: Para
saberem se a descoberta teria alguma coisa que ver com a história do lenhador
de que falaram no acampamento anterior, analisaram e concluíram que a moeda,
como a inscrição indicava, era do reinado de D. Luís I, e fora cunhada em
1868. Naquela
edição foram cunhadas 100.000 moedas de III réis, em cobre, e só mais tarde,
em 1875, foi feita uma nova edição neste material de moedas do mesmo valor,
mas em muito maior quantidade. A
moeda não é rara. Hoje ainda há quem as guarde e as possa perder. Tendo sido
encontrada num estrato acima dos ossos, a moeda não servia para datação do
achado, na medida em que debaixo dela repousava uma infinidade de tempo
passado desde as origens até àquele dia da sua descoberta. Quanto
aos ossos, verificaram, como deviam: a – se eram de
animal ou humanos O
texto é claro quanto à caveira, quando diz que se tratava de um caucasiano,
um tipo de ser humano. Não uma raça humana, porque não se entende assim, mas
um determinado tipo de desenvolvimento corporal humano resultante da
transformação sofrida por adaptação ao seu ambiente ao longo do tempo. Como
humanos, terão de considerar-se também os restantes ossos descobertos, pelas
suas características e nada se dizer em contrário. b – se pertenciam a
um ou mais indivíduos No
caso presente, o comprimento dos ossos seria a característica mais interessante
para responder a esta questão. Em particular o úmero e o fémur, sendo ossos
longos, seriam os mais adequados para o efeito. Há maneiras apropriadas de
medir um osso, mas o texto refere-se ao comprimento sem especificar como foi
medido. No entanto, as diferenças não seriam muito grandes, aceitando-se que
um úmero acabado medindo 271 mm possa pertencer a indivíduo adulto, macho ou
fêmea, com cerca de 1,50m, um pouco mais no homem e um pouco menos na mulher,
enquanto um fémur com 530 mm se aceita pertencer a um adulto macho com cerca
de 1,90m. Assim, podemos admitir que o fémur e o úmero descobertos teriam
pertencido a indivíduos diferentes, dado que os seus comprimentos não são
compatíveis num mesmo indivíduo. Quanto
aos ossos da mão, eles eram incipientes e alguns ausentes, o que mostra não
estarem acabados ou terem-se degradado muito mais rapidamente, apesar do pH
do solo favorecer a conservação, indicando tratar-se de uma mão infantil, de
pouca idade. Assim,
os ossos descobertos teriam pertencido a, pelo menos, 3 indivíduos
diferentes, sendo dois adultos e um criança. c – qual o género e
a estatura aproximada Há
várias diferenças que permitem distinguir entre os ossos de um homem e os de
uma mulher. No caso presente, seria na caveira que essas diferenças poderiam
ser encontradas. Assim, tendo em conta que a caveira apresentava uma
protuberância externa bem marcada no occipital, maxilar em ângulo reto e
queixo um pouco avançado, que são características do género masculino
caucasiano, poderá admitir-se que terá pertencido a um homem, o que vem ao
encontro daquilo que poderíamos induzir a partir do comprimento do fémur
descoberto. Por isso, pode admitir-se que naquela tumba estaria sepultado um
homem com cerca de 1,90 de altura. Poder-se-ia aceitar como plausível que o
úmero fosse da mulher com cerca de 1,50m. Desconhece-se o género da criança,
mas como estavam todos na mesma tumba, não fica excluído que os ossos
tivessem pertencido a um casal - ele um latagão e ela uma fraca figura - e ao
seu filho, que bem poderiam ser o lenhador e a sua família. d – a idade
aproximada no momento da morte Nestas
circunstâncias, outra questão que importa estabelecer é a idade dos
indivíduos no momento da morte. Não há métodos precisos para o efeito, mas há
aproximações que podem ser muito úteis para a investigação. Os dentes são uma
fonte importante de informação, mas no texto em apreço eles não foram
referidos e, por isso, não poderiam ser considerados na resolução deste caso.
O
estado de desenvolvimento dos ossos e do fecho das suturas do crânio, bem
como o estado de degradação dos ossos e articulações podem ser úteis em
certas situações. No caso presente, apenas os ossos da mão e a caveira
poderiam fornecer informação útil, na perspetiva de estabelecer-se uma idade
aproximada no momento da morte. Já
vimos que os ossos da mão apontavam para um estádio ainda infantil. Quanto à
caveira, podíamos procurar informação na extensão do fecho das suturas
cranianas, pois este fecho é um processo que se inicia e conclui em idades
relativamente bem estabelecidas para a maior parte dos indivíduos. No
entanto, nem todas as suturas fecham completamente ao mesmo tempo, numa
determinada idade, em todos os indivíduos. Segundo o texto, as suturas
sagital, coronal e lambdoide já estavam fechadas e a que ligava o mastoide ao
parietal estava quase. Das suturas indicadas, é habitual que a lambdoide e a perietomastoide sejam as mais tardias a fechar. A
primeira, fecha por volta dos 42 anos e, a segunda, cerca dos 51. Assim, com
esta informação, poder-se-ia estimar uma idade aproximada para o homem entre
os 42-51 anos. A
relação entre o desenvolvimento dos ossos da mão e a idade de uma criança,
também está relativamente bem determinada, na medida em que esses ossos, não
estando acabados, se vão desenvolvendo e completando à medida que a criança
vai crescendo. No pós-morte, os ossos em geral vão-se degradando com o tempo,
tanto mais rapidamente quanto menor for a sua idade em vida, embora fatores
ambientais, como o pH do solo em que estão sepultados, possam favorecer ou
dificultar essa degradação. No caso presente, apenas sabemos que o valor do
pH favorecia a conservação. Assim, tomando em conjunto o facto de faltarem
alguns ossos e existirem grandes espaços entre os ossos em cada dedo, podia
considerar-se com alguma probabilidade que se trataria da mão de uma criança
de pouca idade. Quanto à mulher, não seria possível estimar a sua idade, por
o úmero não nos fornecer informação que pudesse ser usada nesse sentido. e – o tempo
decorrido entre o momento da morte e o da descoberta Igualmente
importante seria estabelecer-se o tempo decorrido desde a morte até ao
momento da descoberta dos ossos. Para este fim, poderia recorrer-se
diretamente à análise dos ossos ou a métodos indiretos, analisando outros
materiais que eventualmente os acompanhassem, como tecidos, objetos e outros.
Seja qual for a abordagem, não existem métodos perfeitos para o conseguir. No
caso presente, já vimos que a moeda não ajudava à datação e que se recorreu à
análise de amostras dos ossos. Segundo o texto, estas análises indicaram que
a morte dos três indivíduos teria ocorrido há cerca de 100-120 anos. Ora,
tendo em conta que a descoberta dos ossos teve lugar em 1968, uns dias após o
início do governo de Marcelo Caetano, ter-se-á de concluir que aquelas mortes
teriam ocorrido entre 1848 e 1868. f – a natureza de
alguma lesão e a causa da morte Por
vezes, os ossos apresentam marcas que podem ser importantes para ajudar à
identificação dos indivíduos ou mesmo para apuramento da causa da sua morte.
No caso presente, o texto é praticamente omisso a este respeito, referindo
apenas que o fémur apresentava sinal de calcificação de uma extensa fractura. Esta particularidade pode ser relevante tendo
em vista a identificação do indivíduo a que pertenceu, mas não para nos leva
a uma possível explicação para a causa da sua morte nem dos que o
acompanharam na tumba. g – mais algumas
pistas sobre as identidades O
1º governo do Marquês de Loulé decorreu de 1856 a 1859, no período em que as
mortes terão tido lugar e o lenhador e a família desapareceram, tendo a sua
cabana ficado reduzida a carvão, ou seja, entre 1848 e 1868. Por isso, este
seria um fator a favor da ideia de que os ossos descobertos poderiam ter
pertencido ao lenhador e à sua família.
Vimos
que a caveira permitia estimar uma idade do indivíduo à volta de 42 a 51 anos
em vida. Segundo a história, em 1832, o lenhador teria 25 anos, logo, em
1856-1859, teria uma idade entre os 49 e 52 anos, o que seria um intervalo de
idades compatível com o atribuído à caveira e constitui um dado a favor da
possibilidade de esta ter pertencido ao lenhador. Quando
o lenhador voltou à Castanheira, coxeava. Ora, tendo em conta que o fémur,
pelo seu comprimento, apontava para um indivíduo com cerca de 1,90m, e que a
extensa fratura calcificada que apresentava em morto, em vida, deveria
provocar dificuldade no andar, temos aqui dois fatores a favor da
possibilidade destes ossos terem pertencido ao lenhador - um latagão coxo. Finalmente,
vimos que o úmero seria demasiado pequeno para pertencer ao homem e demasiado
grande para pertencer à criança. Estando este osso também na mesma tumba e
igualmente no mesmo estrato dos descobertos, parece razoável considerar-se
que a morte do seu proprietário também teria ocorrido na mesma altura que as
outras e também teria alguma proximidade com os restantes indivíduos. Ora,
como a história nos diz que a esposa do lenhador seria uma fraca figura, e o
comprimento do úmero aponta para uma pessoa com cerca de 1,50m, parece
razoável admitir que este osso lhe teria pertencido. Vimos,
ainda, que a mão era de uma criança pequena. Estando, também, estes ossos na
mesma tumba e sensivelmente no mesmo estrato que os ossos dos adultos, parece razoável considerar-se que a sua morte terá
ocorrido na mesma altura (a datação é aproximada) e, também, teria com os
restantes alguma proximidade. Ora, tendo em conta que toda a família do
lenhador desapareceu na mesma altura e que dela fazia parte um filho de 3
anos, parece razoável pensar-se que a referida mão teria pertencido ao filho
do lenhador. Nos
ossos descobertos, não foram encontrados sinais que pudessem dar uma ideia de
qual o meio utilizado para causar a morte. No entanto, face às
circunstâncias, conjugando os resultados e as datas com os pormenores da
história que chegou aos nossos dias, mais o facto de todos estarem sepultados
numa mesma tumba pouco profunda, e o achado ter tido lugar na proximidade do
local onde moravam e foram vistos pela última vez, torna plausível que a sua
morte não tivesse sido um acontecimento natural e que os restos encontrados
tivessem efetivamente resultado de um fim súbito e trágico do lenhador e da
sua família, quem sabe se devido às ideias que defendia. Assim,
em resumo, poderemos dizer que, face às características apresentadas pelos
ossos e os resultados da sua análise, conjugados com os resultados da análise
das datas, dos factos históricos e da história que chegou até aos nossos
dias, fica demonstrado ser plausível que os ossos descobertos pela malta
campista tivessem pertencido efetivamente ao lenhador e à sua família. Convenhamos
que a investigação foi muito incompleta e conduzida por curiosos. Certamente
que uma escavação mais ampla e mais bem orientada poderiam ter dado uma ajuda
mais preciosa e permitido um melhor esclarecimento do caso, mas a ficção não
foi por aí. |
© DANIEL FALCÃO |
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