Autor

K. O.

 

Data

28 de Novembro de 1999

 

Secção

Policiário [437]

 

Competição

Torneio “Fórmula 1”

Torneio “Detective Said

Prova nº 2

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

APARECIMENTO INOPORTUNO

K. O.

 

A rapariga ficou petrificada. Tudo lhe fizera crer que ninguém poderia descobrir que estivera acompanhada no momento da morte do marido. E, ainda menos, que alguém pudesse suspeitar que fora outrem, que não ela, que lhe provocara a morte.

De branca, a jovem tornou-se lívida. Toda ela tremeu, num acesso de surpresa, depois de medo.

Estavam descobertos. Mas como? Como? Como?

Acariciou nervosamente os lábios descorados com a língua. Manteve o silêncio.

Este prolongou-se por mais uns momentos e então o Investigador continuou:

– A polícia, às vezes, é lenta, mas não é tola. A investigação é demorada para ser eficaz. Temos sempre tempo.

Pausa.

– Interrogámos a vizinhança.

– Não vi ninguém, ninguém me viu – interrompeu convictamente a rapariga.

– Pois não, é um facto – concordou o investigador, pacientemente. Ninguém a viu entrar em casa, sozinha ou acompanhada. E também ninguém viu entrar o seu marido.

Sorriso breve.

– Como já era tarde e tudo dormia, ninguém deu conta de ruídos estranhos. E quem cá esteve consigo saiu sem dar nas vistas de ninguém.

A rapariga pareceu animar. Talvez o investigador tivesse apenas atirado o barro à parede. Talvez não pegasse.

– Mas, então – começou – então…

O investigador interrompeu-a com um gesto magnânimo.

– As investigações policiais não são apenas umas perguntinhas a umas eventuais testemunhas que, por vezes, nem querem comprometer-se muito. Isso é apenas uma pequena parte e, com frequência, a menos decisória da investigação.

Nova pausa.

– Os primeiros, a entrar em campo são os serviços científicos. É tudo passado a pente fino. De alto a baixo. Impressões digitais, etc. E foram descobertas muitas. Normal. Nas paredes, nos móveis, nas maçanetas das portas. O trivial.

Paragem momentânea. Para criar “suspense”. O coração da rapariga batia descompassadamente. Parecia querer saltar-lhe do peito. O sentimento de derrota ia tomando cada vez mais conta dela.

– Mas a surpresa foi outra – continuou o investigador –, a surpresa estava na arma do crime, no bastão. Encontraram-se no punho impressões digitais de três pessoas: do morto, suas e de um terceiro.

– Logo, a senhora mentia. Estava acompanhada quando provocaram a morte do seu marido. Mas por quem?

A rapariga levou as mãos à boca. Sufocou um grito de pânico. Estavam descobertos.

– Mas de quem seriam as terceiras impressões digitais? Um palpite: do seu cavaleiro andam-te. E nem foi preciso convocá-lo para lhas tirar. Já as tínhamos desde aquele incidente no café, em que fora formalmente identificado.

– E ele é que deu com o bastão na cabeça do seu marido. Está na cara. Se não, não teria tocado no bastão, e logo não estariam lá as impressões digitais dele, e teria ficado consigo para enfrentar a polícia e dar-lhe apoio. É ou não é?

O grito saiu. As lágrimas soltaram-se. Em bica,

– As pessoas às vezes pensam que são mais espertas que a Polícia, só porque algumas (e raramente) lhe passam a perna. Mas a verdade, como o azeite, vem sempre à tona da água.

E o investigador concluiu, já com modos brandos e um fugaz lampejo de comiseração nos olhos:

– Não quero ser moralista, mas se tivessem confessado talvez tivessem ainda mais atenuantes. Assim… Mas não sou juiz, não julgo ninguém. Julgar é com os tribunais.

Do destino da rapariga e do rapaz não cura mais esta história. É futuro.

Como se diria no teatro: cortina. Caiu o pano.

© DANIEL FALCÃO