Autor

Laurentino Branco

 

Data

10 de Fevereiro de 1983

 

Secção

Mistério... Policiário [387]

 

Competição

Torneio “Dos Reis ao S. Pedro” - 83

Problema nº 3

 

Publicação

Mundo de Aventuras [487]

 

 

O CASO DOS RELÓGIOS PARTIDOS

Laurentino Branco

 

Caro Amigo «Sete»

Aproveitei um Domingo de Setembro do ano passado (1981) para rever um amigo de há longa data, o inspector José Sá, da Polícia Judiciária. Fui encontrá-lo às voltas com um molho de folhas de papel escritas só de um lado e com aquela letra garatujada que só ele entende e que faz sempre que tira apontamentos muito rapidamente.

– Oi, Zé! – cumprimentei-o, adivinhando, pelo nó da gravata afrouxado e pelas pontas de cigarro mortas no cinzeiro àquela hora da manhã, caso grave entre mãos.

– Viva! – respondeu-me sem convicção, mal erguendo os olhos do bloco que tinha sobre os joelhos e no qual escrevia cuidadosamente qualquer coisa que lhe absorvia toda a atenção. E depois: – Espera aí! Olha, vai lá dentro e pede à Esmeralda que nos faça um café enquanto acabo isto.

Mais?!!a Esmeralda, que passava no corredor, exclamou entre surpreendida e indignada: – Sai de madrugada, volta de manhã, e ainda por cima quer café todos os cinco minutos!

Ainda eu hesitava em seguir a Esmeralda até à cozinha para a ajudar a fazer o café das onze quando a voz do Zé chamou novamente:

– Anda cá e olha-me para isto – exibiu-me o bloco quadriculado A4 onde ordenara cuidadosamente as declarações que tinha dispersas e que li atentamente e passo a transcrever:

 

«DEPOIMENTOS»

ÁLVARO FARINHA (sócio da vítima numa empresa, recorrendo frequentemente a esta pedindo empréstimos para investimentos em outras pequenas fabriquetas que possuía separadamente).

– «Estive com o Inácio Cabral até às 23,40 a falar de negócios… bem, precisava que ele me emprestasse algum dinheiro para um investimento na minha nova fábrica; como ele estava mal disposto, não me fez o empréstimo, o que me irá causar transtornos muito sérios; fiquei mesmo tão abalado que receei ter um colapso cardíaco… o Inácio foi muito cruel para comigo, mas não seria capaz de o matar! Repousei um pouco na sala de entrada e quando saí escorreguei na escadaria e caí partindo o relógio… Reparei que marcava meia-noite e cinco minutos; fui para casa no meu carro e não me cruzei com ninguém durante todo o caminho.

 

DIÓGENES (Advogado das empresas do sr„ Inácio Cabral e conselheiro deste).

– «Deitei-me muito cedo na noite de sábado para domingo. Faltavam pouco mais de cinco minutos para a meia-noite quando acordei sobressaltado com o telefone; era o sr. Inácio Cabral que exigia a minha presença imediata em sua casa para me entregar com a máxima urgência uns documentos de dívida que não queria que ficassem no seu cofre durante o fim-de-semana, pois tinha dispensado o guarda-costas e receava um assalto; depois referiu-se vagamente ao Álvaro Farinha. Fiz um café enquanto me vestia e reuni uns papéis que devia levar; cheguei a casa do sr. Inácio Cabral cinco minutos depois da meia-noite, lembro-me perfeitamente de ouvir o locutor anunciar as horas no meu auto-rádio embora não tenha prestado atenção ao programa. Encontrei a porta da frente entreaberta o que me surpreendeu, mas passei pela sala de entrada ao escritório cuja porta fez algum barulho ao abrir; lembro-me de ter pensado «– Aquele sovina ainda não arranjou cinco escudos para óleo». Vi o sr. Cabral à secretária e de bruços como se estivesse adormecido; ao aproximar-me reparei que o cofre estava aberto e que havia papéis espalhados pelo chão; só então verifiquei que o sr. Cabral já não respirava, embora o corpo estivesse ainda quente. Telefonei logo para a Polícia e depois fui acordar o sr. Pinto, que estava a dormir no seu quarto. O sr. Cabral não tinha verdadeiramente inimigos com razões para o matar, embora tivesse aquele feitio irrascível que o fazia descarregar as iras sobre quem o rodeava.

 

FRANCISCO PINTO (secretário particular do industrial)

– «A noite passada o sr. Inácio Cabral dispensou-me mais cedo, dizendo-me que estava muito cansado e não queria continuar a trabalhar. Seriam umas 10H00. Aproveitei e fui deitar-me imediatamente. Acordei mais tarde com o ranger da porta do escritório, mas pensei que fosse o patrão que se ia deitar e adormeci novamente porque tomara uns soporíferos… Fui depois acordado pelo sr. Diógenes Amaral que me disse que o sr. Cabral tinha sido assassinado e que já tinha chamado e Polícia.

 

Aqui terminavam os escritos do Zé.

– Mas isto é uma embrulhada que não leva a sítio nenhum! – exclamei.

– Tens razão – disse o Zé Sá –, mas com o resto que te vou contar vais resolver facilmente o problema, verás – depois continuou: – Passavam poucos minutos das duas horas da manhã quando me telefonaram do piquete, pois não tinham ninguém para mandar a casa do industrial Inácio Cabral que tinha sido assassinado havia pouco. A Esmeralda ficou furiosa: «– Pronto, lá se foi a horita de descanso a mais! Maldito emprego!» Mas tu sabes como é… – e continuou – O Cabral vivia numa mansão isolada, de dois andares, a menos de meia dúzia de quilómetros, na estrada da saída da cidade; tu sabes, aquele casarão com uma enorme escadaria que dá para o jardim e um estacionamento particular de automóveis a que se chega por uma estrada de acesso e um portão a condizer… – parou para recordar algo e depois prosseguiu:

– Quando se entra em casa está se logo numa sala mobilada com umas mesinhas e cadeirões; a sala tem duas portas: a do lado esquerdo dá para as salas de recepções e de jantar; a do lado direito dá para a ala ande estão instalados o escritório e a biblioteca; da sala de entrada partem ainda as escadas interiores que dão para o primeiro andar onde ficam os quartos e ainda um salão de jogos que comunica com a biblioteca por uma escada em caracol. O escritório, todo mobilado em «torcidos e tremidos» tem de um dos lados uma mesa de reuniões com oito cadeiras, do outro um jogo de cadeirões, e, ao fundo, de frente para a porta da sala e de costas para a que faz comunicação com a biblioteca, esta encoberta por reposteiros, fica a secretária com uma cadeira, ao lado de um cofre forte de dimensões apreciáveis; quando entrei vi imediatamente o sr. Inácio Cabral caído de bruços sobre a secretária; foi atingido por uma bala que lhe entrou pela nuca, cerca de meio centímetro abaixo do occipital, e a ferida, com o sangue já coagulado, era grande e apresentava bordos irregulares e enegrecidos; a bala, de pequeno calibre, saiu pela face anterior do pescoço, por um orifício ligeiramente abaixo do maxilar inferior, e estava incrustada no tampo da secretária por baixo do corpo do assassinado. O braço direito pendia inerte enquanto o esquerdo repousava sobre a secretária: o relógio de pulso tinha o mostrador esmagado por uma jarrinha de bronze que a vítima derrubara ao tombar, e marcava 11 horas e 55 minutos. O cofre estava aberto e havia papéis pelo chão. A porta de comunicação entre o gabinete e a biblioteca estava só no trinco e a chave do lado da biblioteca, enquanto a porta que liga esta ao primeiro andar estava fechada à chave pelo mesmo lado; quer a janela do escritório, quer as duas da biblioteca, todas dando para o jardim que circunda a casa estavam fechadas… – levantou-se para sorver um golo do café que a Esmeralda lhe trouxera, e concluiu: – A Brigada já tinha pesquisado e fotografado a casa toda… – Não foi encontrado nada digno de registo, excepto a cápsula de uma bala de pequeno calibre no chão de saibro do parque de viaturas, mesmo encostada ao último degrau da escadaria.

– E quando foi que interrogaste os suspeitos? Tiveste alguma confirmação às declarações? – perguntei mais para dizer alguma coisa do que verdadeiramente pelo interesse da pergunta.

– Quando cheguei encontrei o sr. Amaral e o sr. Pinto à espera; interroguei-os separadamente e depois chamei o sr. Farinha. Já leste o resumo das declarações dos três. Quanto à pergunta seguinte é evidente que àquelas horas da noite seria difícil que alguém tivesse visto ou ouvido algo e já tivesse aparecido a depor. Os criados que dormem em casa do sr. Cabral ficam em dependência anexas e nada ouviram; o mordomo, recebeu ordem para se deitar, do próprio Inácio Cabral, depois de ter acompanhado à saída o Farinha. E agora, que te parece? – perguntou-me o Zé à guisa de conclusão?

Disse-lhe então o que pensava; mas gostava de saber o que pensas tu, caro Amigo «Sete». Tu e os Amigos o quem queiras passar o que baptizei de «Caso dos Relógios Partidos».

 

SUGESTÃO DE PERGUNTAS, FACILITANDO RESPOSTAS

1 – Quem foi?

2 – Em que data?

3 – Qual a hora do crime?

4 – Justifique.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO