Autor

L. P.

 

Data

8 de Novembro de 1979

 

Secção

Mistério... Policiário [242]

 

Competição

Torneio “Detective Misterioso"

Problema nº 9

 

Publicação

Mundo de Aventuras [318]

 

 

Solução de:

…E A MORTE VISITOU ALGÉS!...

L. P.

 

1 – Quem assassinou o dr. Cardoso foi o sr. Dias.

2 – Quando me surgiu este problema, tive a sensação de que o assassino era alguém com uma mente diabólica!

Não consegui obter qualquer contradição pelas declarações, pelo menos flagrante e, aquele que de início me parecia o menos suspeito veio a revelar-se como o assassino. Mas, o melhor é desenvolver o raciocínio, de modo a provar a culpabilidade do sr. Dias e a inocência dos restantes:

D. Arminda, a porteira – Como se vê com facilidade, é impossível ter sido ela a cometer o crime. Ficou no átrio de entrada quando o dr. e o sr. Dias subiram no elevador. Não teve tempo de subir pelas escadas até ao 5.º andar e muito menos até ao 8.º. Aliás, no 5.º havia duas pessoas que teriam de a ver. Como o outro elevador estava avariado no 7.º, não tinha mesmo hipóteses. Uma só solução: inocente!

D. Etelvina, do 5.º Dto. – Estava dentro de casa, espreitando pelo «ralo» da porta. Não podia ter saído de casa sem que o sr. Dias a visse, já que não chegou a fechar a porta de sua casa. Além do mais, subiu atrás dele. Não tinha, pois, qualquer possibilidade. Inocente!

O Vendedor – Um indivíduo misterioso, visto apenas por um dos intervenientes. A sua existência apenas poderia ser provada pela comprovação da inocência do indivíduo que o vira. Com efeito, se o Sr. Alberto estivesse inocente, o vendedor existiria, pois nada tinha aquele, a temer; mas, pelo contrário, se estivesse culpado, pois era normal que inventasse o vendedor numa tentativa para se ilibar. Mas, fosse como fosse, o vendedor estava sempre inocente. Na descrição dele, o sr. Alberto não forneceu um único local onde a pistola com silenciador pudesse estar escondida. As calças eram justas ao corpo, a blusa de manga curta, nos pés umas sandálias sem meios e na mão uma meia dúzia de folhetos, metidos numa capa de plástico transparente! Inocente!

Sr. Alberto, do 8.º Esq. – Para provar a inocência deste senhor, vamos partir do princípio que o vendedor não existe. Se o vendedor fosse algo mais que uma invenção do sr. Alberto, ele não ia matar o dr. perante uma testemunha, para mais sabendo que ela estava lá! Portanto, se provarmos que o sr. Alberto não podia matar o dr., partindo da inexistência do vendedor, poderemos decretá-lo inocente. Vejamos:

O sr. Alberto tinha 2 hipóteses de matar o dr.:

a) Antes de dar os gritos;

b) Depois de dar os gritos.

Analisemos:

a) O tempo decorrido entre o estrondo provocado pelo bater da porta interior do elevador (para a abrir) e o primeiro grito – 11 segundos; ora, admitindo que a porta de casa estava aberta e uma das portas de acesso a um dos compartimentos interiores estava nas mesmas condições, teríamos após o estrondo: ir até à porta – 2 segundos; ir da porta ao contador – ligar o alarme, regressar à porta – 8 segundos. Portanto um total de 10 segundos. Ficava, assim, apenas 1 segundo para esconder a arma no compartimento cuja porta ele tivesse deixado aberta, fechar a porta e para os trajectos de ida para esse local e de regresso! É, pois, totalmente impossível!!

(Notar que: o alarme era retardado 6 segundos, apenas, e por isso tinha de ser ligado em último lugar; os gritos podiam ter-se iniciado assim que ele chegasse à porta, fechando-a já ao som dos gritos; o sr. Alberto foi conduzido para casa do sr. Dias e por isso ninguém pôde ir a casa dele antes da experiência, tendo eu constatado que todas as portas de acesso ao corredor estavam fechadas).

Por aqui se vê que não podia ter cometido o crime nestas circunstâncias.

b) Após os gritos teríamos:

Gritou até o sr. Dias colocar o pé no primeiro degrau após o 7.º andar. Ora, o tempo médio de cada degrau galgado pelo sr. Dias é de 1,5 segundo. Tínhamos, pois:

1 – Primeiro lanço de escadas após o 7.º andar, 7,5 s.; 2 – Segundo lanço de escadas após o 7.º andar, 7,5 s.;  3 – Intervalo entre os dois lanços, 3 s.; Total: 18 s.

(Notar que: do 120.º degrau, ou seja do último degrau do 2.º lanço após o 7.º andar, eu já vira pessoas encostadas à porta do 8.º Dto; os 5 degraus a seguir à entrada da rua também têm de contar; cada lanço de escadas têm apenas 5 degraus, por conseguinte, por mais baixo que fosse o sr. Dias, este tinha de ver o corpo do sr. Alberto estendido no chão, tanto mais que a cabeça pendia para o 2.º degrau).

Ora, admitindo as mesmas condições formuladas em a), ou seja, portas abertas, etc., etc., teríamos:

1 – Tempo para ir da porta ao contador, ligar o alarme e regressar à porta, 8 s.; 2 – Tempo para fechar a porta e dar as duas voltas, 4 s.; 3 – Tempo para ir da porta à do 8.º Dto. (onde desmaiou), 5 s.; Total: 17 s.

(Notar que: o sr. Alberto podia ir a gritar até à porta de casa, mas não mais, pois nesse caso alteraria o som; o tempo da alínea 2 – seria ainda mais dilatado pois não podia chocalhar com as chaves, nem bater com a porta).

Por aqui se vê que ficava em circunstâncias idênticas à hipótese anterior: 1 segundo apenas para todas as operações relacionadas com o esconder da arma. Impossível! Inocente!

Com a comprovação da inocência do sr. Alberto, regressamos ao vendedor. Existiu de facto! Mas, como vimos, inocente! A explicação do seu desaparecimento, que parece irreal, é muito simples, se atentarmos que o outro elevador estava avariado no 7.º andar! Abria as portas, mas não acendia as luzes. Local ideal para o vendedor, certamente perturbado pelo espectáculo que observou, se esconder. Mas, isto apenas interessa para compreensão total do caso, já que nada influi na sua decifração.

Sr. Dias, do 5.º Esq. – Por exclusão de partes, cá temos o nosso assassino! O crime foi cometido nos 21 segundos que decorreram entre o arrancar do elevador do rés-do-chão e a abertura das portas pelo sr. Dias, no 5.º andar.

Mas, o sr. Dias não tinha local onde esconder a arma, ainda por cima com silenciador (tinha de ser, pois caso contrário não havia falar alto que escondesse o ruído do disparo). Então, que sucedeu? Pois bem:

O tal «calhamaço» que a porteira viu e que o sr. Dias afirmou ser um livro de Pavese, «Terras do Meu País», que ele, levado pelas suas paixões e pelas intenções de se safar, caracterizou de modo exemplar, ou seja «…já que parece ter para cima de 600 ou 700 páginas de grande formato, com margens estreitos e letra miúda…», não terá nunca mais de 200 páginas de formato normal, letra graúda e margens bastante grandes! Era, pois, um livro falso! Uma caixa imitando um livro, à qual o sr. Dias colou as capas do citado livro! E aí transportou e escondeu a arma!

Mas, como foi possível que o dr. carregasse no botão do 8.º andar, se estava morto?

Pois bem, os botões eram salientes, com folga. Nessa folga, o sr. Dias introduziu o tal fósforo de cartão, prendendo o botão e obrigando o elevador a subir, assim que a porta interior estivesse corrida e a exterior fechada!

A circunstância de o fósforo estar no chão, pode dever-se a dois factos, ou melhor, admite duas hipóteses:

a) Caiu com o impulso do arranque; ou

b) Caiu com o violento impacto da porta interior, quando aberta pelo vendedor…

Quero ainda fazer notar que o sr. Dias, que mostrou possuir uma mente diabólica, se foi denunciar num pormenor em que tudo levava a crer, era especialista. Mas, não há crime perfeito e, na ânsia de desviar as atenções do «calhamaço» (ele não sabia o que a porteira dissera ou mesmo D. Etelvina) e por isso tinha de dizer o título que efectivamente ele lhe tinha posto, não se fosse dar o caso de uma das intervenientes ter fixado o título. E se isso já era suficiente para detectar uma contradição, a pormenorização foi apenas a sua confirmação. O porquê, talvez se compreenda pela necessidade de explicar o motivo por que prometeu emprestar o livro ao dr. para as férias dele. Enfim, a mente humana é um imenso labirinto e mesmo os planos minuciosamente preparados acabam por folhar em pontos incríveis. Não há crimes perfeitos!

Aqui termino o dia 16/8/78, que ficou gravado neste meu «Diário» com mais um crime e mais um caso.

© DANIEL FALCÃO