Autor

L. P.

 

Data

21 de Outubro de 1988

 

Secção

O Detective [58]

 

Competição

2ª Supertaça Policiária - Cidade de Almada

Problema nº 6

 

Publicação

Jornal de Almada

 

 

MORTE NA AGÊNCIA SB-TV

L. P.

 

O escritório situava-se no extremo de um enorme corredor para onde se abriam diversas portas de outras empresas.

A placa indicava: «AGÊNCIAS SB-TV».

Entrei. Era de facto amplo, alcatifados em tons de azul e amarelo, em contraste perfeito. Nunca esperei que se pudesse combinar daquela maneira cores tão contraditórias.

Avancei por entre duas alas de secretárias, até parar perante uma maior, de boa madeira, ostentando um letreiro que dizia: «CARL – Director».

Sentei-me por detrás daquela «fortaleza» de madeira e passei em revista os componentes daquela estranha agência:

CARL – Alemão, director da agência, sem família conhecida, morador em Sintra desde pequeno, num agradável palacete, onde, esporadicamente, se reunia com amigos vara um jogo de Xadrez. Todos os dias se deslocava para Lisboa numa Mini-Ima vermelha, o que causava sempre algum espanto porque todos o julgavam riquíssimo. Pouco comunicativo mas excelentemente dinâmico, tinha conseguidos um equilíbrio de contas invejável, na agência. Um enigma para todos, em suma!

Na secretária da esquerda, junto à do director, tomava assento Marília, secretária competente, concursada por escolas estrangeiras, servira sempre por lá, até que o director a contratou para a agência. Estava na agência há menos de um mês e ainda ninguém sabia nada dela, do seu passado, dos seus amigos, dos seus interesses, dos seus hábitos. Apareceu morta no dia 2 de Janeiro de 1979, em condições confusas, como veremos.

Na secretária seguinte, junto à porta de entrada, sentava-se, havia anos, o Rocha, ex-funcionário público, moço pouco brilhante mas trabalhador, capaz de executar com rigor trabalhos mecânicos. Ficou loucamente apaixonado ao ver Marília. Não tivera, no entanto, tempo para altos voos. Foi debruçada sobre a sua secretária, mesmo ao lado da sua Erika comercial nacional, que Marília encontrou a morte, como veremos.

Do lado direito, junto ao director, tomava assento um chinês nascido em Macau, mas sempre residente em Lisboa, que dava pelo nome de Siun. Fora passar o fim do ano, pela primeira vez na vida, conforme disse, à China e vinha encantado com os festejos. Teremos oportunidade de escutar os seus relatos, aquando às declarações.

Na secretária frontal à do-Rocha, sentava-se um inglês de ascendência portuguesa a que chamavam «King», não só por ser o mais antigo trabalhador da agência, mas por ter uma certa influência nas decisões do director, o que aliás parecia natural, dada a sensatez, interesse e dedicação que sempre demonstrara.

 

A morte de Marília, ocorreu, como dissemos, no dia 2 de Janeiro, Embora fosse uma terça-feira, o director dera uma tolerância de ponto, não só para dar tempo ao regresso de Siun, mas para se precaver quanto a qualquer «pinga» a mais dos festejos de Ano Novo.

Aconteceu apenas que Marília, tendo um serviço entre mãos, foi conclui-lo na tarde do dia 2, encontrando a morte.

O corpo foi encontrado pelo porteiro, que, estranhando não a ver descer, quando já eram 22 horas, foi em sua procura. O espectáculo que se lhe deparou foi terrível:

Marília estava debruçada sobre a secretária do Rocha, com a face assento no tampo, rodeada de um lago de sangue já completamente coagulado. Ao pé de si, no chão, uma pistola de modelo antigo repousava, junto de uma poça de sangue, já seco, que empastara a alcatifa.

O tiro desfigurou Marília pois apanhou-a de raspão na cara, varrendo-lhe, positivamente ambos os olhos e rebentando-lhe o nariz. O sangue invadiu tudo e a morte foi, certamente, causada por hemorragia. A bala estava alojada junto à porta. Por todo o lado havia salpicos de sangue.

Pensou-se em suicídio, mas questões se foram pondo, tais como:

Porquê suicidar-se no escritório? Porquê na secretária do Rocha e não na sua? Porque iria, depois de disparar, para a secretária do colega e não ficou no local onde o sangue empastara a alcatifa e, com toda a certeza, esteve caída?

Enfim, uma montanha de perguntas que só seriam parcialmente respondidas no interrogatório. Eis as declarações:

Porteiro – Desconfiei que alguma coisa tivesse acontecido porque a menina subiu pelas 15 horas e já eram quase 22 sem que aparecesse. Portanto fui espreitar e… Dei com aquilo tudo… Não sei como se pode fazer uma coisa daquelas. Todas as pessoas deste escritório podiam entrar sem eu as ver, porque têm chave da porta das traseiras. Apenas a menina ainda não tinha e por isso teria de passar por mim.

Carl – Não sei de nada. Quando me telefonaram para cá vir, vim… Apenas lhe quero dizer que era uma moça excepcional, trabalhadora, dominando várias línguas, escrevendo à máquina de modo inconfundível, com uma velocidade incrível. Era óptima, como a máquina que lhe comprei e às vezes até brincávamos com isso… Fico numa situação falsa… Não tenho alibi, nem bom, nem mau, para ontem… Estive a ver televisão, andei pelo jardim… Não saí de casa todo o dia…

Rocha (muito nervoso e preocupado) – Não sei o que se passou. Quis vir cá no dia 2, mas não pude. Não sei nada e não compreendo porque motivo tinha de vir morrer na minha secretária. Fiquei impressionado… E ainda estou. Gostava dela e… Pensava convidá-la para jantar ontem… Não o fiz e ela morreu! Não quero que pensem que fui eu… Podia morrer na secretária de qualquer um… Eu… Fiquei em casa todo o dia… Só saí à rua para comprar tabaco… Não, não era para mim, era para ter em casa… Compreendem, eu…

Siun (com a calma tipicamente oriental) – Eu não estive cá, como devem saber. Parti para a China no mês passado e regressei hoje, momentos antes de se iniciar a greve dos aeroportos. Venho trabalhar apenas alguns dias porque volto a ter férias daqui a duas semanas. Mal conhecia a moça, que veio para a firma pouco antes de entrar eu em férias…

Quem diria que quando eu estava a assistir pela primeira voz na minha vida a um acto no país dos meus avós, alguém morria aqui! Ainda aqui trago uma oferenda que me fizeram lá… Esta bolsa dourada, decorada a vermelho com estes caracteres que significam Feliz Ano Novo, ou seja Kung Hee Fat Choy. Lá dentro vinha este anel precioso e estas moedas douradas… É uma tradição de lá que eu não conhecia e…

«King» (muito nervoso) – Nunca falei de crimes ou suicídios, ou lá o que foi e… Sinto-me pouco à vontade. Não posso entender como isto se passou. Eu não fui… Tenho mais de uma dúzia de pessoas que o podem testemunhar… Organizei uma festa em minha casa e durou até às tantas. Nada sei… Sim, a pistola é minha. Tinha-a guardada na minha secretária porque como estou junto à porta, podia ser precisa. Nunca disparei na minha vida e não sei se seria capaz de o fazer, mas a verdade é que a pistola é minha e fui eu que a trouxe de Inglaterra. O senhor Carl sabia que eu a tinha na secretária e dizia-me muitas vezes que nunca me esquecesse de a limpar convenientemente porque podia vir a ser precisa… E recomendava-me que nunca fechasse a gaveta porque poderia ser precisa de repente. Creio que toda a gente conhecia a existência dela, excepto Marília… Sim, ela não devia saber, até porque estava há pouco tempo connosco.

Uma confusão pegada. Restava o resultado do laboratório e da autópsia e confirmar os alibis.

O aeroporto fechado pela greve e Siun a perder o passaporte e sem o encontrar, fez com que enviasse um telegrama para a polícia de Macau. Bastava que pedisse confirmação da presença de Siun nos festejos de Ano Novo na China. A resposta demorou várias horas, mas acabou por chegar e dizia apenas: Afirmativo!

Um agente foi a Sintra e ninguém viu sair Carl, a pé ou de carro. A Mini-Ima não esteve à vista durante todo o dia pelo que, ou andou por fora ou esteve na garagem. Um miúdo afirmou que viu uma Ima igual na estrada de Lisboa mas não sabia se era de Carl.

Não se encontrou nada de válido em relação ao Rocha. Não fora visto fora de casa e o proprietário da tabacaria onde dizia ter comprado o tabaco não se lembrava dele e garantia nunca o ter visto mais gordo ou mais magro. No entanto, o próprio agente que o interrogou comprara lá umas revistas na véspera e ele jurava que nunca o vira… Uma coisa era certa, a marca do tabaco que o Rocha dizia ter comprado encontrava-se esgotada desde o dia fatídico. Se desde manhã ou de tarde, era coisa que não sabia garantir.

Quanto a «King», tudo o que se apurou foi que a «farra» foi de arromba e durou até às tantas da madrugada e que a partir de certa altura já ninguém via onde punha sequer os pés. Um vizinho garantiu que na rua, em frente da casa de «King», viu uma Mini-Ima vermelha e na altura até fixou a matrícula por causa de um jogo que faz, diariamente, para se entreter. A matrícula que recordou com algum custo, revelava semelhanças espantosas, variando apenas no último algarismo: Um 3 por um 2.

Quanto ao relatório, assombroso é o termo! Morrera devido ao ferimento, que lhe causou cegueira total, pela perda de ambos os olhos. Esvaíra-se em sangue! O tiro fatal foi disparado pala arma do «King», havia vestígios de luta e arrastamento pela alcatifa e na mão crispada da vítima foi encontrado um papel que apenas tinha escrito, à máquina as seguintes letras, agrupadas como segue:

QORV DCH DPIP QPFEC XOXw

De entre as máquinas de escrever comerciais, seis ao todo, existentes no escritório, os caracteres coincidiam totalmente com os da máquina do Rocha.

O mistério adensava-se pouco a pouco e cada elemento que ia surgindo, em vez de facilitar o caminho da solução, ia atirando areia aos olhos e pregos ao caminho.

O que haveria por detrás daquilo tudo? Nunca o saberemos se o Amigo leitor não se debruçar sobre o mistério e interpretar completamente os elementos que lhe são propostos. Este humilde Inspector fica ansiosamente a aguardar os vossos relatórios para o encerramento deste intrincado caso.

Inspector XINÓ

 

PERGUNTA-SE:

1) – Tratando-se de crime, quem foi o criminoso?

2) – Porquê? Justifique mencio-nando as causas da sua culpabilidade.

3) – Descodifique e indique a mensagem encontrada na mão crispada da vítima e relate convenientemente o porquê da sua existência.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO