Autor

Luís Pessoa

 

Data

18 de Julho de 1992

 

Secção

Policiário [18]

 

Publicação

Público

 

 

O CASO DO FANTASMA ASSASSINO

Luís Pessoa

 

Igor era quase, de certeza, o mais infeliz homem na face da Terra. Tivera a desgraça de ser um sobredotado e desde muito jovem se tornou o escravo predilecto de toda uma geração de cientistas, burocratas, homens pagos para brincar às guerras e outros que tais, incluindo, naturalmente, os políticos.

Não admirava, pois, que Igor tivesse, vezes sem conta, tentado abandonar essa prisão e dedicar-se às coisas simples que qualquer mortal deseja e persegue.

Mas não podia ser. Um herói nacional, um super-homem para exibir no estrangeiro e demonstrar que mesmo um país ridículo pode ter de que se orgulhar, porque a inteligência também passou por lá.

Para dar mais colorido, os serviços secretos “tomaram conta” de toda a família de Igor, numa espécie de aviso, não fosse ele ter ideias de lhes escapar.

Foi então que, sem se saber bem porquê, pois Igor era o orgulho da nação, este começou a receber estranhas cartas ameaçadoras. Em letras recortadas de um qualquer jornal “rasca”, que as mãos ficavam todas sujas de tinta, dizia-se laconicamente “estás morto…”, “não viverás mais…" e coisas assim, capazes de pôr os serviços secretos em polvorosa.

E a vigilância foi reforçada, para mal de Igor, que quase nem à casa de banho podia ir sozinho. E o seu laboratório? Um espectáculo de eficiência na defesa da sua integridade. Vejamos só: o compartimento era um cubo, sem janelas, com uma única porta, completamente blindada, por onde tinha de ser feito todo o movimento de entradas e saídas e que estava permanentemente vigiada por dois guardas armados até aos dentes, que não tinham, no entanto, acesso ao interior, porque a chave estava em poder do chefe e só ele podia abrir a porta, mais ninguém.

Para cúmulo da segurança, todos os dias, uma hora antes de Igor entrar no “cubo”, dois guardas e o chefe, com dois cães especialmente treinados, percorriam as instalações de cabo a rabo, para detectar armas ou presenças indesejáveis. Só depois, tudo conferido, Igor entrava no laboratório de onde, nem que quisesse poderia sair sem autorização e vigilância.

E apesar de tudo, num dia cinzento e chuvoso, eis que tudo aconteceu. Como sempre, Igor levantou-se e tratou da sua higiene pessoal, leu um bom pedaço e, depois de meditar durante alguns segundos, chamou os guardas, que o acompanharam directamente ao laboratório, sendo a porta imediatamente fechada. Todos os procedimentos e cuidados de segurança foram rigorosamente cumpridos.

Foi então que se ouviu, dentro do “cubo”, Igor gritando com força: “Não, não quero morrer, não me mates, socorro…“ E fez-se um silêncio pesado, enquanto cá fora a azáfama era enorme no sentido de chamar o chefe para abrir a porta…

Igor jazia na alcatifa, junto da secretária onde se espalhavam os seus apontamentos. No peito via-se o cabo de uma faca, não uma faca vulgar, mas aquela que tornara famoso o avô dele, que a utilizara na defesa da liberdade, na época da ocupação. Quase foram precisas medidas drásticas para que as mãos de Igor largassem o cabo, tal era a força que fazia…

De Igor, nunca mais se falou. Presume-se que tenha sido enterrado incógnito e a verdade do que se passou no “cubo” ainda hoje é segredo. Apenas se sabe que a polícia secreta largou a família dele e todos vivem hoje no estrangeiro graças a um seguro de vida que Igor fizera, vá-se lá saber quando e como?...

A companhia de seguros ainda tentou alegar que houvera suicídio e, portanto, não teria de pagar o seguro, mas logo o governo, a polícia secreta e outras pessoas influentes lhe ergueram o dedo à frente do nariz: “Herói do nosso povo, exemplo da juventude, não se suicida nunca!”

Agora, que o caso intriga, isso é verdade…

 

Vamos dar uma ajuda e tentar descobrir se terá havido suicídio ou crime?

E já agora justificar a opção!

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO