Autor Data 23 de Julho de 1992 Secção Policiário [23] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E O CAÇADOR FURTIVO Luís Pessoa Atirador de mérito, com
muitos prémios ganhos nos torneios que levavam a cabo todos os anos, o inspector Fidalgo tinha uma particular aversão aos
caçadores. Muito embora não fosse um defensor acérrimo da natureza e dos seus
animais, não aceitava também as teorias do equilíbrio para justificar a caça,
porque na verdade foi o homem que eliminou os animais carnívoros que deviam
controlar as espécies de herbívoros e roedores e agora caçava em nome desse
equilíbrio. E se o pretexto para caçar era o exercício físico, então correr
fazia o mesmo efeito e não era preciso andar a perseguir os animais
indefesos. Para ele, já lhe bastava
ter de andar atrás de criminosos e muitas vezes alvejá-los. Naquele dia, o Jacinto tivera
algum azar. Na realidade, eram tantos os caçadores e tão anarquicamente
andavam pelo meio do mato que qualquer tiro podia acertar em qualquer deles.
Calhou ao Jacinto, segundo parecia. Na verdade, estendido no
chão, por entre uns arbustos pequenos, o Jacinto fora alvejado, tendo morrido
ali mesmo, ingloriamente. O inspector
Fidalgo debruçou-se sobre o corpo e observou o peito nu da vítima, onde se
via a marca do impacto mortal, mesmo em cheio. Provavelmente rumo ao coração. – Um tiro certeiro… – pensou. A pouco e
pouco, iam-se
juntando os caçadores que comentavam o ocorrido dizendo que havia montes de
inconscientes que atiravam sobre tudo o que se movia. Não distinguiam uma
lebre ou um coelho, que era sobre o que deviam atirar, de uma pessoa. E um coro
de vozes levantou-se para condenar as autoridades que concediam licenças de
qualquer maneira e feitio. Pela posição do cadáver e
tendo em atenção a morfologia do terreno, era fácil verificar que o disparo
mortal não ocorrera a mais de oito metros de distância e o inspector Fidalgo não sabia por onde começar. Na
realidade, nem sabia porque estava ali, porque toda a gente falava de
acidentes de caça e isso já nem notícia era. A pouco e
pouco, uma pequena
multidão foi-se juntando, quase todos numa atitude de resignação e de quase
alegria e aceitação, principalmente por não terem sido eles os contemplados. Foi então que alguém se
adiantou aos demais e se dirigiu ao inspector: – Inspector, chamo-me Nelo e sou caçador há muitos anos, muito antes
de haver estas carnificinas e da época em que havia um código de honra entre
os caçadores. Não sei se o inspector é caçador ou
conhece a caça, mas quero-lhe chamar a atenção para uma pequena
particularidade que o pode ajudar a resolver esta caso… A – Nelo queria dizer ao inspector que o morto não era caçador. B – O Nelo indicou ao inspector que uma caçadeira nunca poderia matar um homem. C – O Nelo disse ao inspector que uma caçadeira nunca faria um ferimento
daqueles. D – O Nelo explicou que
nunca um caçador agiria daquela maneira imprudente e nunca um acidente
daqueles poderia acontecer. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|