Autor

Luís Pessoa

 

Data

28 de Julho de 1992

 

Secção

Policiário [28]

 

Publicação

Público

 

 

O INSPECTOR FIDALGO E A “ACELERA” AVARIADA

Luís Pessoa

 

A última coisa do mundo, ou pelo menos uma das últimas, que o inspector alguma vez pensou foi em motorizadas, as chamadas “aceleras”, mas a verdade é que naquele dia de Julho esse nome foi falado vezes sem conta.

Tudo começou quando o filho mais velho do inspector, o Frederico, pediu emprestada uma “acelera”, ou seja, uma motorizada de funcionamento simplificado, em que praticamente só é preciso acelerar e pronto, vai-se até onde se quer, a velocidade moderada.

Correu mal a aventura e algum tempo depois, com bastante asneiras e riscos pelo meio, que a inconsciência propicia, o destino da “acelera” foi a valeta, arrastando o moço que, além de sair combalido e com ferimentos vários, ainda teve de suportar as recriminações do proprietário da motorizada.

O drama punha-se em termos de saber como iria o rapaz dizer ao pai o que se passara e, mais que isso, minimizar os problemas e custos.

Claro que deve ter havido múltiplas encenações, repetições sem fim, cada vez acrescentando um novo ponto, alterando aqui, mudando ali, que a justificação tinha de ser de molde a não provocar grandes chatices… E, ao fim e ao cabo, o “velho” pouco ou nada saberia saber sobre o que era andar de motorizada e por isso havia que criar uma história plausível…

Era ponto assente de que não poderia haver nem uma pontinha de culpa da sua parte, ou o pai poderia proibi-lo de voltar a andar de “acelera” e, nesse momento, quase tudo o que a vida lhe dava de bom (assim estava convencido!) era poder libertar-se, andando ao sabor dos caprichos, em cima da sua “motorizada”.

Não estranhou, portanto, que à noite, esmurrado no físico (e no brio também), abordasse o pai e contasse a história da melhor maneira que as múltiplas encenações puderam determinar.

Que não tivera culpa nenhuma, que a culpa, se é que há culpa em coisas destas, foi inteiramente da máquina; que ao meter uma mudança, vá-se lá saber porquê, saltou a corrente, metendo-se na roda, o que provocou o bloqueio da mesma e o atirou borda fora, com todos os riscos e chatices que teve; que nunca tal poderia acontecer porque ele é super cuidadoso e vai sempre com o máximo dos máximos de atenção e portanto só um erro da máquina, como foi o caso, o poderia cuspir, etc., etc.

E tudo se ficava por um pedido de dinheiro para pagar os estragos, muito embora, dizia com muita dignidade e sensatez, a culpa fosse de quem lhe emprestou a máquina, mas não queria problemas e portanto…

O inspector não gostou muito da história; achava que respirava maturidade a mais, sensatez acrescida e soube logo, com a experiência a funcionar, que por ali havia alguma coisa que não jogava bem.

 

A – Na “acelera” não é possível falhar uma mudança e portanto a desculpa não pegava.

B – As rodas daqueles modelos nunca podem bloquear e portanto mentiu descaradamente.

C – As “aceleras”, têm um dispositivo anti queda que nunca permitiria que o moço se aleijasse, pelo que o motivo terá sido outro, completamente diferente.

D – Nunca poderia conduzir uma máquina daquelas porque só os adultos o conseguem.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO