Autor Data 4 de Agosto de 1992 Secção Policiário [35] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO “VIAJA” NO ESCURO Luís Pessoa Nada metia mais receio ao
inspector Fidalgo que a hipótese de um dia ficar cego. Lá que houvesse um
acidente, uma qualquer mazela, enfim, não seria agradável, mas não o
assustava; agora ficar cego, ter na sua frente um permanente buraco negro,
isso sim, metia-lhe medo. Já na tropa, quando tivera
que fazer exercícios em que o prato forte era andar por debaixo da terra, em
condições de absoluta escuridão, o terror apoderara-se dele e não se gabava
da sua atitude, mas também não a ignorava ou varria das suas recordações. Foi naquele dia de Abril
que reviveu tudo isso pela audição da história fantástica de um dos
suspeitos, em que o terror pela escuridão assumia outros contornos, mas
significava o mesmo. Tudo começou num corte de
corrente eléctrica que se prolongou por várias horas. O Jorge andava a
divertir-se nas discotecas da cidade, quando tudo ficou escuro. A princípio,
ninguém estranhou e até acharam piada, mas com a continuação todos foram
abandonando os divertimentos e recolheram a suas casas. Com precisão, ninguém
poderia garantir a que horas teria saído fulano ou sicrano e não havia
informações sobre o Jorge. A realidade é que na sua casa, onde vivia com o
irmão mais velho, por quem nutria um ódio quase feroz, principalmente pelo
modo como ele o criticava pela vida anárquica que levava, o irmão apareceu
morto, espetado por uma faca tipo ”rambo”. Apurada a hora da morte,
esta rondava as 23 horas e 30 minutos. Por mais que clamasse a sua inocência,
um velho marinheiro reformado, habituado a ver no escuro da noite do mar
alto, afirmou tê-lo visto sair de casa por volta dessa hora. O Jorge, esse, dizia que
não era verdade e que só saíra da discoteca depois da meia-noite. Ninguém o
confirmava nem o desmentia e a única testemunha era o velho marinheiro. Interrogado pelo inspector
Fidalgo, sempre foi dizendo que aguentou na discoteca até à meia-noite e meia
e, como a luz não havia maneira de chegar, foi para casa. Custou um pouco
descobrir a casa completamente às escuras, sem haver sequer luar e mais
difícil foi acertar com tudo dentro de casa, recorrendo à memória para dar as
voltas necessárias. E foi ao entrar na sala que, conforme afirmou, reparou no
corpo estendido, com os olhos muito abertos, indiciando que estaria na
presença de um cadáver. Aos tropeções, sem poder já discernir sobre
o local onde punha os pés, naquela escuridão, fugiu para a rua, onde o ar
fresco o fez recuperar um pouco de sangue-frio. Quem foi ou como o fez,
isso, não sabia! O inspector Fidalgo olhou
para a parede branca e imaginou-se no negro profundo da escuridão, no terror
de nada ver ou sentir, perante a atrofia dos sentidos… A – O Jorge esteve na
discoteca até depois da hora do crime e não o podia ter cometido. B – O ódio era tanto que
desejou a morte do irmão e, misteriosamente, conseguiu. C – O Jorge não podia ter
morto o irmão porque vinha da discoteca e não podia saber onde o irmão estava
ou o que fazia, devido à escuridão. D – O Jorge não poderia dar
com o irmão nas condições que descreve e, portanto, mentiu nas declarações,
tendo cometido o crime. |
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© DANIEL FALCÃO |
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