Autor Data 18 de Agosto de 1992 Secção Policiário [49] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E O ESCRITOR MANECAS Luís Pessoa Um caso curioso que o inspector Fidalgo teve na sua vida foi relacionado com o
Manecas, um escritor de livros pornográficos que tinha um escritório
clandestino num rés-do-chão da Rua da Atalaia. Claro está que a amizade
com o Manecas era de uma época bem anterior, dos tempos em que o inspector ainda fazia as pequenas coisas que um agente
faz, nomeadamente figura de parvo perante os tradicionais espertalhões que
tudo sabem e tudo controlam, mesmo ao nível dos responsáveis pela ordem e
segurança. O Manecas não só escrevia
como editava os livros pornográficos, o que lhe custava, muitas vezes, alguns
amargos de boca, mas também, isso era sabido, grandes lucros. Naquela altura, o Manecas
andava com uma grande crise de inspiração e não conseguia inventar nada de
novo no reino do sexo, ou, pelo menos, apresentar como tal. Claro está que o Manecas
não era o maior no reino da pornografia. Outros valores se levantavam e o
Manecas sabia que iria pagar com o físico, quem sabe se com a vida, a falta
de inspiração para os seus novos escritos. Foi então que um telefonema
anónimo pôs o inspector Fidalgo na cola de um sábio
larápio que se entreteve a roubar os escritos do nosso Manecas, para grande
desespero deste. – Ó inspector
Fidalgo, juro-lhe que tudo é feito na maior das
regras e que nada há de falso em tudo o que escrevo. Nada. É tudo conforme a
lei… – Não venhas com essa. Diz
lá o que sabes e mais nada, está bem? – Ó inspector,
o que se passou é que eu estava aqui a trabalhar quando alguém bateu no
vidro, ali fora, o que me fez parar. Naquela noite de temporal,
com o vento a soprar a toda a força, um qualquer tipo a bater à janela? Eu não sou burro. Vi que se
abrisse a janela podia ser assaltado e continuei a trabalhar com os meus
papéis espalhados por tudo quanto é sítio. Sabe como eu sou, um desorganizado
de todo o tamanho. Peguei nos papéis leves que uso e coloquei-os no parapeito
da janela para poder continuar a trabalhar com calma. Só que o tipo, sei lá quem, continuava a bater à janela e, depois de
muito hesitar, pensei se não seria alguém conhecido a tentar dizer-me alguma
coisa e abri a janela… O vento terrível fez-me recuar, parecendo um temporal,
e de lá saiu uma pistola, bem apontada à minha
cabeça, e uma voz disse: “Dá-me cá a novela que escreveste”… E eu, com
cuidado, recolhi as folhas do parapeito da janela, com a pistola e o vento a
tocarem-me na cara, e dei-lhe tudo o que pediu… Bolas, não sou um herói,
pronto! O Inspector
Fidalgo sorriu. Ai! Ai!, um sorriso do Inspector
Fidalgo queria dizer, sem sombra de dúvida que… A – O inspector
já conhecia o ladrão e ia dar-lhe caça, porque não é impunemente que se
assalta um escritório. B – O inspector
viu claramente que tudo era falso e que fora o Manecas que dera os originais
ao ladrão, por ser cobarde. C – O inspector
verificou que o Manecas estava a mentir porque o que ele relatou não podia
ser verdade, por mais que se pudesse ser liberal… D – O inspector
viu que o Manecas caiu como um patinho no conto do vigário e foi roubado
porque não tinha nível para aguentar a parada. |
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© DANIEL FALCÃO |
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