Autor Data 19 de Agosto de 1992 Secção Policiário [50] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E O DISTRITO DE SETÚBAL Luís Pessoa O inspector
Fidalgo sempre se ria a bom rir (que diabo, um inspector
também tem o seu direito a rir, sem ser para gozar de um qualquer desgraçado
que comete uma argolada) de um caso que o seu pai, também inspector
Fidalgo e de quem um dia conteremos a triste história, se para isso tivermos
engenho e arte, contava muitas vezes, como exemplo. Tudo se passava num remoto
dia de 1924, quando um tipo inventou uma história qualquer em que apontava
claramente que no dia tal do mês tal não estava em tal parte apenas e só
porque nesse dia estava a receber um prémio instituído pelo distrito de
Setúbal, relativo a um trabalho que executara para aquela entidade e merecera
uma total unanimidade. O álibi era perfeito e o inspector Fidalgo Pai aceitou-o com as reservas, com que
sempre aceitava fosse o que fosse. O delito não era grave e o inspector Fidalgo Pai, sem os meios sofisticados que hoje
há e que permitem quase instantaneamente determinar as mais incríveis coisas,
aceitou tudo como verdade e voltou as suas investigações para outros
horizontes. Não chegou a nada, mas
também, ao fim e ao cabo, ainda bem que assim foi.
Pouco havia a penalizar e a vida tinha continuado como se nada se passasse. A surpresa foi quando o tal
tipo foi preso na França por ter cometido um crime bem mais grave. O inspector sentiu-se um pouco vingado pela maneira como o
tipo tinha sabido manietá-lo e impedido o normal curso da Justiça. Mas enfim,
decorria o ano de 1926, Portugal tinha passado pelo golpe de estado que
pusera o Estado Novo no poder, com todas as consequências e no tal distrito
de Setúbal, todos ou quase todos, que nestas coisas não há unanimidade nunca,
festejavam, ironia das ironias, a sua elevação a distrito. Havia direito que
um distrito como aquele apenas naquela data fosse constituído? Lá estava: Decreto 12 870,
de 22 de Dezembro de 1926… um novo distrito… Um novo e mais largo riso do inspector Fidalgo Pai… O tal de que contaremos a história
um dia destes! A – O tipo não tinha nada a
ver com o que se passou porque estivera a receber o prémio. B – O prémio era falso e o
tipo mentiu descaradamente, iludindo o inspector
Fidalgo Pai, por ignorância deste. C – O inspector
não conseguiu prender o tal tipo porque não o apanhou em flagrante delito. D – O tipo não era perdido
nem achado naquela questão porque o inspector
Fidalgo Pai não fora capaz de interpretar a realidade da acção
e portanto falhara rotundamente. |
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© DANIEL FALCÃO |
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