Autor Data 24 de Agosto de 1992 Secção Policiário [55] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E O ROUBO DO ARMAZÉM Luís Pessoa Há já muito tempo que o
dono de um conhecido armazém de uma aldeia na Serra da Estrela notava que lhe
desapareciam produtos. Não em grandes quantidades, mas agora um presunto,
amanhã um saco de arroz, depois umas garrafas de vinho e assim por diante. Já tentara descobrir o
autor da façanha, mas, apesar de algumas esperas e vigílias, nunca pôde
saborear o triunfo de apanhar o larápio com a boca na botija. Foi então que aproveitou a passagem
por lá do seu amigo de longa data, que sabia trabalhar com a polícia, mas não
sabia bem em quê, e pediu-lhe que o ajudasse a resolver o caso. Não pelo
montante dos roubos, que pouco ou nada significavam no fim de cada mês, mas
mais por curiosidade e para avaliar por que motivo alguém andava a tirar tão
poucas coisas quando podia levar muitas mais. O Inspector
Fidalgo ficou cheio de curiosidade, também ele, principalmente por ser um
desafio interessante. Numa aldeia da serra, onde quase tudo anda a passo de
caracol e todos se conhecem, não havia dúvida de que espevitava a
curiosidade. Foi ver o local do “crime”
e, cautelosamente, pediu um pacote de farinha, que espalhou metodicamente
pelo chão em torno de todo o armazém. Este ficava numa cave cujo
único acesso se fazia por umas escadas de madeira, ao cimo das quais se abria
uma porta para o exterior. Os roubos davam-se, por sistema, de madrugada,
mas, se alguém estivesse a observar, nunca mais aconteciam. Na manhã seguinte, depois
de uma noite bem dormida, que os ares da montanha ajudavam, o Inspector e o seu amigo dirigiram-se para o armazém,
ainda envolto num manto húmido, que a noite fora fresca, e, ao abrirem a
porta, o Inspector debruçou-se cuidadosamente por
sobre as escadas e foi descendo a pouco e pouco,
notando que em todos os degraus havia marcas de dois pés enfarinhados com a
biqueira em direcção ao cimo, o que indicava que o
larápio espezinhara a farinha lá em baixo, que se colara aos sapatos, por
estes estarem húmidos, e que fora depois largando pelas escadas, ao sair. Quanto ao roubo, não fora
além de uma miséria de meia dúzia de coisas alimentares. Foi então que o Inspector foi confrontado com os suspeitos, quatro
rapazes de quem se sabia há muito que a especialidade era deitar a mão a tudo
o que aparecesse: o João, moço que perdera uma das mãos por causa dos
foguetes; o António, que era um tanto deficiente mental e não articulava muito
bem os movimentos das mãos; o José, que era ligeiramente coxo e tinha muita
dificuldade em subir e descer escadas, e o Manuel, que não ouvia, embora
falasse alguma coisa, aprendida em escola especial, antes de ir para ali. O Inspector
olhou pela janela, lá ao longe, o cume vestido de branco dos nevões que já
caíam e foi-se embora, deixando o amigo sem resposta… Ele já sabia, mas não
ia revelar… A – Foi o João. B – Foi o António. C – Foi o José. D – Foi o Manuel. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|