Autor Data 26 de Agosto de 1992 Secção Policiário [57] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E A MORTE DA DONA-DE-CASA Luís Pessoa Tarde de Maio, abafada, de
autêntica trovoada adiada. Uma forte chuvada viria mesmo a calhar, quanto
mais não fosse para refrescar o tempo. O inspector
Fidalgo detestava esta atmosfera de calor sem sol, de céu enevoado sem chuva,
enfim, uma confusão diabólica. E, quando foi chamado à Rua das Flores para
verificar a morte de uma dona-de-casa, foi contrariado que se atirou para a
rua, abandonando o seu ar condicionado… Enfim, vida de inspector. A senhora morrera quando
passava a ferro. O marido, inconsolável, gritava a todo o mundo a sua
desgraça, no que era acalmado por vizinhos e amigos que iam surgindo de todos
os lados. O costume, em vida todos se comem como cães, na morte todos se
armam em santinhos e amiguinhos! À portuguesa! – Quem descobriu a senhora?
– interrogou o inspector. – Eu… – disse entre choros
o marido. – Entrei na cozinha e vi-a mesmo a ter o ataque de coração, ou lá o
que foi… Só a vi a… desculpe a emoção, mal consigo falar… cair desamparada
agarrada ao coração, assim, no peito… Está a ver… O ambiente estava
irrespirável. A janela estava fechada, o que tornava o ar ainda mais
carregado e quente. Em cima da tábua de passar a ferro, um velho lençol
esperava a sua vez para ser alisado e dobrado… Uma operação que talvez não
viesse a ver tão brevemente… – O que fez o senhor quando
aqui chegou? – Eu… Nada… Não havia nada
a fazer… Cheguei à porta e vi a mulher de costas para mim, oscilando um pouco…
Perguntei o que se passava… Mas como resposta apenas a vi voltar-se para mim,
agarrada ao peito, do lado do coração, largou o ferro e…
Caiu no chão, ali mesmo onde está agora. Tentei reanimá-la, mas não consegui…
Não, não mexi em nada… Corri para o corredor, chamei por socorro, e… vieram
estes meus amigos… Não toquei em nada de nada. Nem me lembrei de tal coisa…
Compreende… O inspector
Fidalgo compreendia… Perguntou aos presentes se
alguém mexera em algum objecto da cozinha, sendo a
resposta negativa. Todos chegaram em resposta ao pedido de socorro e chamaram
as autoridades. O lençol continuava à
espera, o que acontecia também com o pobre e triste ferro, antigo, que
esperava que alguém o viesse de novo activar para
poder dar o seu calor a outras peças de roupa. O inspector
Fidalgo já sabia o que se tinha passado. A – A pobre mulher
desmaiara com o calor e dera-lhe um ataque de coração. B – A mulher foi envenenada
por um qualquer estranho e o marido apenas assistiu à parte final. C – A mulher foi envenenada
pelo marido, que ainda por cima lhe atirou com o ferro à cabeça para a matar. D – O marido está implicado
na morte da mulher, não sendo verdade as declarações que proferiu. |
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© DANIEL FALCÃO |
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