Autor Data 27 de Agosto de 1992 Secção Policiário [58] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E O HOMEM DO FATO BRANCO Luís Pessoa Chovia. Forte e feia, a
água tombava com ruído nos telhados do casario daquele bairro de Alfama. Como
sempre, pessoas apressadas percorriam as vielas, umas munidas de guarda-chuva
providencial, outras, como era o caso do inspector
Fidalgo e daquele homem de fato branco, apanhando com a dureza da água que
caía. O inspector
Fidalgo não tinha grande pressa, caminhava apenas porque é habitual as
pessoas caminharem assim para fugir da chuva. Uma rotina. No fundo, o inspector até gostava de caminhar debaixo de chuva. Era
refrescante, calmo, um pouco solitário, até, sendo um bom conselheiro nos
momentos de tomar decisões. Foi na tarde desse dia todo
igual que o inspector se deslocou novamente a
Alfama, desta vez por motivos profissionais. Uma moça de pouco mais de
20 anos de idade e prostituta, presumivelmente – que neste país não há número
nem cadastro da existência de tal profissão, a não ser que tenha havido
prisão pela prática de prostituição, o que não era o caso – tinha sido
assassinada com um tiro, num terceiro andar de um prédio um tanto degradado,
mesmo no centro do bairro. Suspeitos não havia muitos.
Apenas um tipo mesquinho e chato que repetia sempre as mesmas coisas com uma
voz pastosa e monocórdica, lembrando um disco partido, e um moço com um aspecto típico de chulo,
graciosamente vestido com um fato branco, imaculado, com cada vinco no seu
lugar e onde nem uma ruga poderia espreitar sem ser de imediato corrigida e
“apagada”. Claro está que ninguém
sabia de nada, tinham chegado naquele momento, eram muito amigos da moça, o
tipo chato era quase como um pai para ela, no seu dizer, tinha montes de pena
e era capaz de tudo pela moça, inclusivamente dar a sua vida por ela… O tipo chuleco, era como um irmão para
a moça, como seria de prever, só estava ali porque queria vê-la, porque
gostava dela. Tinha vindo a pé desde a
Rua da Alfândega e quando ali chegou viu a moça assassinada. Estava muito
impressionado, mas não podia fazer nada. – É falso, é falso! –
gritou o tipo chato. – Esse gajo ficou cá durante
toda a noite na “minha menina” e foi ele que a matou, sei lá porquê! – Esse tipo é doente. Não
lhe respondo. Não fiquei cá de ontem para hoje, como ele diz. Cheguei agora,
é tudo. O inspector
Fidalgo virou-se para o tipo chulo e perguntou-lhe
se tinha guarda-chuva. A resposta foi negativa. Virou-se então para o tipo
chato e fez a mesma pergunta. A resposta foi idêntica, com o acrescento de
que não precisava dele porque morava no andar de baixo. O inspector
pensou um pouco… Não havia dúvidas… A – O assassino foi o tipo
chato porque morava ali mesmo e tinha todas as oportunidades para cometer o
assassínio. B – O assassino foi o tipo chulo porque não podia apresentar-se daquela maneira com
aquele tempo e a história dele. C – O assassino foi o tipo
chato porque apenas tentou um álibi perfeito dizendo que dava a vida por ela,
o que soava a falso, dadas as circunstâncias. D – O assassino foi o tipo chulo que entrou calmamente na casa e matou a moça,
sabendo que o tipo chato morava por baixo e que por isso seria inculpado
porque ia descobrir o cadáver. |
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© DANIEL FALCÃO |
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