Autor

Luís Pessoa

 

Data

14 de Fevereiro de 1993

 

Secção

Policiário [85]

 

Competição

Torneio Rápidas Policiárias

Prova nº 2 – Problema nº 2

 

Publicação

Público

 

 

O INSPECTOR FIDALGO HESITA

Luís Pessoa

 

Decorria o mês de Fevereiro e no céu carregado de nuvens os relâmpagos sucediam-se em ritmo demolidor, entremeados pelo ribombar dos respectivos trovões.

O Inspector Fidalgo estava sentado numa cadeira desconfortável, junto à janela, desafiando os conselhos que os colegas lhe davam para se afastar dos vidros. Era deprimente ver a vida passar sem ter capacidade de lhe pôr um travão e dizer:

– Alto aí! Quero viver!

Foi então que o Firmino, seu “velho” amigo e colega lhe telefonou, dando conta de um caso insólito, reclamando a sua presença, caso pudesse.

Firmino era um polícia bastante curioso, principalmente porque parecia tudo menos um polícia. Desde sempre estivera ligado ao mar e nunca quisera mudar, mesmo quando lhe ofereceram um melhor cargo…

– O mar sou eu… E tudo para mim e nunca me separaria dele!

Firmino foi contando a história e o caso que tinha em mãos foi ganhando contornos…

– O Tadeu era um tipo espectacular. Ele saltava da prancha mais alta, ele mergulhava mais fundo, ele aguentava dentro de água o que mais ninguém conseguia… Olha, Fidalgo, o tipo era excepcional!... Só que, como tudo na vida, há momentos em que tudo nos corre mal e o dia do Tadeu foi hoje…

– Que aconteceu?

– Ora, o que quase sempre acontece a quem se arrisca de mais para se manter na crista da onda, desafiou o mar neste estado e acabou por ser vítima dele…

– Se assim foi, quero dizer, se tens a certeza absoluta, não entendo porque me chamaste…

– Porque há um pormenor que me escapa e não consigo fazer encaixar em toda esta história… Mas, deixa-me pôr-te ao corrente do que se passou…

– O Tadeu namorava uma tipa que todos chamavam Nina, que não era propriamente uma santinha, até eu a apanhei algumas vezes com outros moços a fazer coisas que… Compreendes… Pois bem, o Tadeu não parecia saber de nada e continuava todos os dias a vestir o seu calção de banho, dava duas ou três corridas pelo areal, ora mais depressa, ora mais devagar, procurando sempre pôr os pés em sítio seguro, portanto com passos pouco regulares… Sabes, a praia está um tanto suja e o Tadeu não queria ferir-se nas pedras ou em qualquer objecto abandonado…

– Está bem, mas

– Espera, não sejas precipitado, se te estou a contar toda a história é porque acho que te deve interessar, ou não será? Olha, o que sei é que hoje de manhã, como todos os dias, vim para a praia às oito horas, mais minuto menos minuto e estranhei ver a Nina com o Sérgio lá em cima, nas “portas”, tanto mais que eu sabia bem que o Tadeu, a essa hora e apesar do inverno, já devia estar dentro de água e de lá, com toda a facilidade se vê o local onde a Nina estava na “marmelada”… Não sei se estás a ver… Mas, quando aqui cheguei, olhei para o mar, voltei a olhar e tu sabes que a minha vista nunca se engana, mas não vi o Tadeu…

Compreendi que, por qualquer motivo não viera, o que seria a primeira vez, mas há sempre uma primeira vez, não é verdade?

– Só que?...

– Só que, olhando com mais cuidado pude ver um vulto estranho na praia, em pleno areal e quando me dirigi a ele, verifiquei que não era mais que o corpo sem vida do Tadeu… Com os seus calções inconfundíveis, corpo molhado, sem marcas aparentes de qualquer violência…

– Continuo a não perceber porque é que

– Calma, calma… Junto dele nada mais havia que pegadas, em que se viam os saltos dos sapatos claramente definidos, vindas do paredão até ao local, de um indivíduo que calçava para aí o número 43, com marcas ao lado, por vezes coincidentes, de um outro tipo, a calçar mais ou menos o mesmo, mas muito mais leve… O curioso é que ambas as pegadas desaparecem no local do crime, a curtos metros do mar, parecendo que ambos entram pela água dentro… Eu quase que jurava que os sapatos eram os mesmos, mas nesta época de uniformização, em que toda a gente anda de igual, nem sei se o afirme… É verdade, corri a praia de lés a lés, do rochedo nascente ao rochedo poente e não vi qualquer marca da saída dos tipos que estiveram junto ao corpo… Cheira mal, tudo isto…

– A Nina e o parceiro?

– Sei lá, o tipo é pesado, mas ela não calça um número tão grande… Não encaixa muito bem e menos ainda o ficarem por ali. Seria mais lógico desaparecerem… Claro que dizem não saber de nada… E podem ter mudado de sapatos… Não sei…

O Inspector Fidalgo hesitou…

 

A – Foi a Nina e o parceiro que acompanharam o Tadeu até ao local do crime, o mataram e fugiram por dentro do mar até às rochas por onde subiram.

B – Foi apenas a Nina que o acompanhou ao local do crime, em ambiente descontraído. Depois, matou-o e fugiu pela água, subindo por um dos rochedos, indo ter com o seu parceiro.

C – Alguém, calçando 43, o matou, conduzindo-o pelo areal, às costas ou ao colo, largando-o naquele local, junto ao mar, regressando ao local de partida, confiando em que vento e mar apagariam as marcas.

D – Alguém que calçava 43 o matou, transportou pelo areal e largou no local onde foi encontrado, tendo o cuidado de o transportar de modo a que fosse deixando marcas na areia, formando os dois pares de pegadas que foram observadas, fugindo o assassino pelo mar e trepando os rochedos, desaparecendo de seguida.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO