Autor Data 12 de Setembro de 1993 Secção Policiário [115] Competição Prova nº 6 – Problema nº 2 Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E O TIRO DE CANHÃO Luís Pessoa Era um dia como outro
qualquer. O sol brilhara durante algum tempo e a noite chegou cedo, envolvendo
tudo no seu manto negro. Lá longe, na torre da igreja, o relógio dera já as
quatro badaladas e o silêncio dominava montes e vales. Ao longe, muito ao longe,
um lobo uivava, saudoso, quem sabe, dos tempos em que mandava em todo aquele
imenso território… Ou seria apenas um cão preso em qualquer quinta isolada?
Provavelmente, nunca o saberemos… O inspector
Fidalgo ia muitas vezes àquela aldeia, perdida nos montes, onde morava o seu
amigo de sempre Adelino Custódio, também ele um amante da natureza e, por
isso mesmo, fugido da cidade e ali estabelecido há mais de 30 anos. E, quando
se encontravam, não havia relógios nem tempo, nem noite nem dia, ambos se
perdiam em longas conversas, sobre tudo e sobre nada, enquanto saboreavam uma
aguardem-te ou um licor de fabrico caseiro. Mas aquela noite foi
diferente… Um estampido ecoou pelos montes, calando o lobo por momentos,
antes de recomeçar por todo o lado uma verdadeira sinfonia de cães… De copo na mão, o inspector Fidalgo parou, olhando o seu amigo, também ele
surpreso, antes de reagir – Foi um tiro! – Bolas, parecia de canhão!
– reforçou Adelino. E ambos se precipitaram
para o exterior, onde um frio de rachar se fazia sentir. Fidalgo viu um vulto
que se escondia por entre os arbustos e correu naquela direcção,
tropeçando, no entanto, num corpo caído a pouca distância. Ao levantar-se, apoiado
pelo amigo, notou que o cadáver em que tropeçara era o de Serôdio, um tipo de
poucas palavras e muitos segredos, temido por quase todos naquele lugar
perdido na serra. Quase de imediato,
apareceram três homens da aldeia, o José, o João e o Joaquim, ainda ofegantes
da corrida que foram obrigados a fazer. Nenhum vira ninguém ali por aqueles
lados, mas todos se mostraram aliviados por ser o Serôdio a vítima. Ele era
mesmo muito impopular. O inspector
Fidalgo escutou-os, em separado: José – Não sei de nada.
Estava a dormir quando ouvi o estrondo. Foi só vestir qualquer coisa,
calçar-me e vim ver o que se passava. Até pensei que fosse algum lobo ou
coisa assim e, por isso, vim armado, mas não disparei… João – A gente apanha com
cada uma… Estava em casa, ali em baixo, está a ver, onde há luz… Ouvi o tiro
porque tinha acabado de acordar, sabe, tenho de me levantar muito cedo para
ir à vila buscar o peixe para a aldeia e, como sempre faço, acabara de ligar
a televisão para assistir ao começo da emissão e até julguei que fosse algum
estampido dentro do televisor… Joaquim – Ora, vinha a
passar aqui por acaso. Ouvi um lobo a uivar e como o meu rebanho está ali
para cima, na cerca, pensei que podia haver algum problema e por isso
vesti-me e fui ver… Ao ouvir o estampido vim espreitar o que seria, e
felizmente que foi só este “gajo” que morreu… Não se
perde nada de nada!... Adelino debruçou-se sobre o
inspector e segredou-lhe: – Aqui, ninguém gramava
esse tipo… Foi um alívio para todos e não vais descobrir nada… Todos se vão
encobrir. O inspector
encolheu os ombros… A – Foi o José; B – Foi o João; C – Foi o Joaquim; D – Foram todos porque
todos mentem. |
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© DANIEL FALCÃO |
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