Autor

Luís Pessoa

 

Data

20 de Outubro de 2002

 

Secção

Policiário [588]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2002/2003

Prova nº 1

 

Publicação

Público

 

 

CENA CAMPESTRE

Luís Pessoa

 

Vítor gostava muito de andar, ao contrário das outras pessoas, e quando via milhões a deslocarem-se para as praias, lá ia ele para o campo, para a Beira Alta. Era o apelo da terra que se fazia sentir neste filho e neto de agricultores.

Naquele dia, pela tardinha, o Vítor dormitava no fresco que uma frondosa figueira, entre muitas outras, proporcionava, quando ouviu a avó chamá-lo com voz zangada. Levantou-se preguiçosamente e dirigiu-se a casa sem muita vontade para grandes discussões. Foi por isso que nem reagiu aos gritos da senhora, que se insurgia por haver desaparecido a “tarte” de pêssego que tanto trabalho lhe dera a fazer e que só podia ter sido devorada por um comilão como o Vítor.

Este limitava-se a reafirmar a sua inocência. Segundo dizia, nem sabia que a avó fizera “tarte”, quando mais comê-la! Ainda por cima de pêssego, que nem era a sua especialidade!

E Vítor apontava para a enorme mancha de sombra que as figueiras faziam, dizendo que tinha estado lá nas últimas duas ou três horas, ora a dormir, ora a dormitar, ora a desenhar as formas estranhas e misteriosas das nuvens a cruzarem o céu… Bolas, ele estivera ali deitado durante horas! Era uma indignidade estar a acusá-lo de tamanho “crime”!

A avô acabou por se resignar, retirando-se para a cozinha, aborrecida por ainda ter de voltar para junto do forno, num dia tão quente como aquele. E a chuva que não aparecia, nem um bocadinho para ajudar a agricultura. Há vários dias que nem uma aragem percorria aquelas paragens e o céu muito azul era tudo o que se via entre linhas do horizonte.

O Vítor regressou ao seu poiso. Deitado de costas, cabeça apoiada na base do tronco daquela figueira centenária, olhava os figos já maduros que espreitavam por entre a folhagem de um verde intenso.

Pensando bem, ele até era capaz de tentar apanhar uns tantos para agradar à avó, que até era uma senhora meiga e amiga dos netos… Se calhar era o que ia fazer… mas mais tarde, que agora estava com uma moleza que só visto.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO