Autor Data 9 de Outubro de 2011 Secção Policiário [1055] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2011 Prova nº 10 (Parte II) Publicação Público |
O IATE MISTERIOSO Malempregado Há
muitos meses que o Alberto estava debaixo de olho. A
polícia tinha informações bastante seguras de que se tratava de um mediano
passador de drogas, actuando numa zona de difícil
controlo, por ser muito visitada por nacionais e estrangeiros. Com
uma vigilância à distância, tão discreta quanto possível, a polícia foi
reunindo informações e indícios dos movimentos daquele pescador amador, que
todos os dias se sentava no mesmo local, preparava as canas, o isco e por ali
ficava horas e horas, numa pachorrenta sonolência. Os
agentes estavam a desesperar, dias e dias naquela monotonia, a olhar para um
homem que parecia incapaz de fazer mal a uma mosca, fazendo contagem das
vezes que lançava o isco, das vezes que retirava alguma coisa, inventando
jogos para se manterem minimamente atentos. Mas o que acontecia era que a
paciência se estava a esgotar e os agentes destacados andavam à beira de um
ataque de nervos. Mas
naquele dia, tudo se alterou. O
Alberto estava sentado no seu lugar de estimação, junto da Torre Vasco da
Gama, olhando na direcção da ponte com o mesmo
nome, seguindo as movimentações de três pessoas que percorriam um iate de
boas dimensões, ali ancorado. À primeira vista, nada que despertasse
suspeitas aos agentes, mas depois, um deles, colocado a jusante, fazendo,
também, de pescador, notou que havia uma espécie de sinalética, um levantar e
sentar, aparentemente sem sentido. Logo transmitiu a informação ao outro
agente, situado mais para o interior e a uma distância mais reduzida do
Alberto. O
dia estava belíssimo, não havia rasto de nuvens nem de vento, o chamado dia
perfeito para um bom passeio à beira-rio, seguindo o mergulho das aves e a
discreta ondulação que ia levantando uma leve espuma, rio acima. As
movimentações das pessoas no iate começaram a indiciar que este se aprestava
para levantar âncora e avançar em direcção à foz do
rio. Em poucos segundos apareceu uma espuma branca e o iate avançou, ligeiro. O
agente-pescador largou a cana, erguendo-se para ter uma melhor visão à
passagem da embarcação, procurando reunir o máximo de informação. Foi nesse
momento, ao aproximar-se mais da água, que viu dois embrulhos, flutuando na
sua frente. Desceu, lesto, e apanhou-os. Não era preciso grande esforço para
deduzir que se tratava de tabletes de droga, como já vira inúmeras vezes e
que estavam dentro de água há poucos minutos. Já
de posse das embalagens, ergueu os olhos e cruzou o olhar com as três
personagens que passavam precisamente à sua frente. Ficou sem saber se o
olhavam surpreendidos por o verem dentro da água ou por ele ter detectado algo que lhes era dirigido ou que acabaram de
largar para outras mãos… Rapidamente
dirigiu o olhar mais para cima, a tempo de ver que o Alberto se aprestava
para largar o seu poiso e sinalizou esse facto ao colega, que no entanto já
estava bem próximo de Alberto e em posição para a sua detenção. O
iate foi intersectado mais adiante, já depois de passar por baixo da Ponte 25
de Abril e a sua vistoria, de alto a baixo, não deu
em nada, se bem que um dos seus tripulantes já tivesse uma longa história de
tráfico. Nos
interrogatórios que se seguiram, o Alberto reafirmava a sua inocência: –
Olhe, senhor agente, eu sou um cidadão como outro qualquer, que apenas quer
pescar. Sou pescador, vou para ali todos os dias, na maior parte das vezes
nem apanho nada, mas passo o meu tempo… –
Você está bem conotado com o tráfico de drogas, meu caro. Sabemos que há
muito tempo que lhe passam pelas mãos doses importantes de drogas e
dinheiros. Temos muitas informações, está tramado. Faltava-nos o flagrante
delito e ele aqui está. Se quer um conselho, é melhor confessar já! –
O senhor agente está equivocado. Eu não tenho nada que ver com isto de que me
acusa. Estava a pescar, mais nada. Todos os dias vou para aquele lugar e não
sei de mais nada. –
E o iate? Apanhámo-lo à saída do Tejo. Já sabemos tudo, é melhor que confesse
já e nos poupe a todos o trabalho de ter de retirar coisas que já todos
sabemos, não é verdade? –
Não posso confessar uma coisa que não é verdade e não fiz… Os
agentes fizeram a retrospectiva da acção, verificaram minuto a minuto, segundo a segundo,
toda a cena. E concluíram: A
– O Alberto pode estar envolvido e era o destinatário da droga enviada pelo
iate; B
– Embora seja o destinatário da droga enviada pelo iate, Alberto não pode ser
incriminado porque não há provas contra ele; C
– O Alberto pode estar envolvido naquele caso de droga, mas ela não veio do
iate; D
– O Alberto não pode estar envolvido naquele caso de droga, nem a droga veio
do iate. |
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© DANIEL FALCÃO |
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