Autor Data 14 de Novembro de 2004 Secção Policiário [696] Publicação Público |
Solução de: TRÁGICA MATANÇA Mário Campino O presente problema foi
difícil de elaborar, por dois motivos muito especiais: trata-se de uma
história real (até quanto nos foi possível) e tem muito a ver connosco – Avô Palaló era o nosso avô materno. Um homem rude, digno,
inteligente e respeitado – adjectivos hoje difíceis
de juntar, neste “trepa que trepa, por cima de toda a folha”. Sereno nas
atitudes, cedo aprendeu a desenvolver o poder de observação, para defesa
própria, e a aperfeiçoar o raciocínio. Deixou de ser rapaz e estreou-se
homem, num largo poeirento. Em plena campina, agarrado à enxada, e da boca da
futura esposa, recebeu a alcunha de Palaló,
inexistente nos dicionários, mas que se traduzia, na gíria do povo, por
“pintainho com farronfas de galo”. Subiu na vida com o esforço do trabalho,
que, ao contrário de muitos, viu reconhecido pelo lavrador João Andrade, em
cujas propriedades começou por assalariado. Chegou a capataz e eficiente
gestor, antes de adquirir a independência e património próprio. No trato com
os homens, aprendeu a conhecê-los, tal como distinguia a boa terra da
improdutiva. Mas… há sempre um mas. As boas
intenções e a amizade ignoraram a capacidade de reconhecer a fera ferida. Zé
Grilo perdera-se, por amizade. E, na loucura da perda, preparou, disfarçou e,
com frieza inusitada, executou o crime premeditado. Algo que ao ponderado Avô
Palaló nunca passaria pela cabeça; e não podia
perdoar-se por, com o seu convite para a “matança”, ter proporcionado o
assassínio. É claro que sabia que o Zé
Grilo era destro (o leitor “viu” como cortou e afiou as canas do jardim da D.
Rosa, assim como atentou que, antes de cortar a carne, experimentou o fio da
faca no polegar esquerdo, o que só poderia fazer usando a mão direita).
Reparou que cortou a carne de baixo para cima, o que é difícil e toda a
lógica manda que, nesta situação, o corte se faça de cima para baixo. Mas
estava por demais satisfeito com o entendimento da dupla. É natural, porque
não tinha conhecimento sobre venenos, que tivesse tomado os sintomas
(“vómitos”, “respiração estertorosa”, “convulsões intensas”, “pupilas
dilatadas”, “crise epiléptica”, etc. – comuns ao
envenenamento por cianeto ou cianureto) como originados pela bebedeira. Só
com a ligeira análise do Dr. Chico acerca do cheiro a vinho e alho, que não
deixavam descortinar qualquer outro cheiro (neste caso, a amêndoas amargas),
a necessidade de autópsia e significado da banha curada na boca do morto,
começou a raciocinar, encaixando as peças no “puzzle”. Teve a certeza quando,
no dia seguinte, encontrou as rãs mortas na pequena pia da torneira do
tanque. Reflectiu que, quando encontrou o Zé a
limpar as mãos à camisa, ele tinha acabado de ali lavar a faca dos vestígios
do veneno. Rapidamente as ideias surgiram em turbilhão: o Zé conseguira o
veneno no armazém da fábrica onde o filho trabalhava (uma tinturaria
industrial de têxteis, onde o veneno é utilizado em certas operações),
esmagou os cristais venenosos, colocando o pó na face esquerda da faca (daí a
necessidade de cortar a carne de baixo para cima, de modo a que o veneno
ficasse na carne do Toino e não na sua) e serviu-se, para a aderência, de
banha de porco, que se usa, nos meios rurais, como manteiga e não só. Isto é o que interessa
conhecer. |
© DANIEL FALCÃO |
|
|
|