Autor

Mário Campino

 

Data

1 de Maio de 2009

 

Secção

Mundo dos Passatempos [77]

 

Competição

Torneio Jartur Mamede

Problema nº 8

 

Publicação

O Almeirinense

 

 

Solução de:

A TRILHA DO MORTO

Mário Campino

 

Como sempre, sou parco nas soluções. Limitei-me ao essencial, sempre com fundamento no texto base, já que entendo que as grandes explicações e interrogações próprias pertencem aos solucionistas, em ordem a valorizar os seus trabalhos.

Começo por esclarecer que, no enigma em análise, só o crime é pura ficção; as personagens são reais em 80% dos casos. Tudo o mais, conflitos e amizades com a natureza, ora hostil ora benigna, lugares, citações, a maneira de falar típica da classe rural – que a memória me traz em sons activos e me enchem o coração de saudável saudade – são reais, reportados aos finais dos anos quarenta do último século; ainda hoje se encontram resquícios… só que, naqueles tempos, a linguagem, parecendo rude, talvez brutal, era ingénua, sincera, geradora de empatia.

 

Mas vamos à solução:

Releva a motivação na pessoa de Quim Faia. Devem ter-se encontrado, algures, perto da casa do Jerónimo. Ciúmes? Duvido. Talvez para se defender da prometida “cachaporrada” do To Zé. Atacado, atacou com uma pedra, ágil, rufia; depois, com um pau do adversário, terminou a obra. Lembramos, em favor do exposto, que deixou os óculos azuis sobre a arca do Casal e que, ao fugir, não os levou, porquanto aparece ao Zé Vicente sem eles – o Vicente notou mesmo, nos olhos acastanhados, a ansiedade, talvez medo. Quando chegou de Benfica e levou o raspanete de Jerónimo, levava-os na cara (ver texto). A Ana não voltou a vê-lo e ele não poderia entrar no Casal sem ser visto. Recordemos, ainda, que o To Zé, quando o foi procurar, levava duas lembranças; uma, a cachaporra; a outra, adivinha-se, seriam os óculos com que a vítima o iria confrontar pela sua presença na casa. O Quim aproveitou para os reaver. Dirão os leitores que poderia ter comprado outros. Fora de questão! Naqueles tempos, em Portugal, eram raridade, mesmo na capital do país…

Posto isto, uma teoria possível para explicar os acontecimentos: o Tó Zé, quando chegou aos Paços, tomou conhecimento de que o Quim estaria em casa do Jerónimo – a falta de memória do Zé Vicente é como uma confissão do receio de se ter comprometido. A vítima encontra o rival a dar de comer aos animais; ainda não tivera tempo de ordenhar as vacas (o que não chegará a fazer, pois a Rosa Leiteira acusa o Jerónimo de não lhe ter deixado o leite duas vezes - próprio dia e seguinte; as próprias vacas são testemunhas barulhentas do facto pelo evidente sofrimento das tetas super cheias, pois mugiam e não comiam. (Não há que admirar que a leiteira, quando procurou o leite, não encontrasse o Quim, antes ou depois da morte; naqueles tempos, as bilhas de zinco, com tampas também em zinco, eram postas às portas dos produtores. A informação é secundária para os solucionistas - que não têm obrigação de conhecer usos - e cita-se por ser um facto real).

Do encontro resulta a morte. Quim desespera… Tem de ir para Benfica, para afastar suspeitas, mas não pode deixar ali a prova do seu crime. Pensa deixá-la à porta do Casal… Talvez ninguém o tivesse visto, nos Paços. Vai, pois, buscar o burro, coloca o cadáver entre um dos dois molhos de canas e a bicicleta, que fica em cima destes. Quando a noite se aproxima, começa a chover, o que o favorece quanto a possíveis encontros no caminho. Mete-se à estrada, arenosa, mas tem dificuldades em manter a carga, dado o desequilíbrio do peso do corpo (ver texto). Próximo do Casal, depara com a seara e irá deixar o corpo bem à vista. Resolve não se aproximar do Casal, pois a “Ruiva” pode estar à espera do ausente. Ao ver a grade, tem uma ideia (pensa ele) genial. Consegue pôr os tirantes no burro; depois de tirar as canas, coloca o corpo sobre a grade, sobe ele, também, para ela e toca o burro até ao termo do terreno lavrado. Volta pelo mesmo sítio e larga o corpo no centro do terreno, deixando a grade tal como a encontrou. A chuva dessa noite oculta prováveis indícios, mas deixará um só, bem patente: ao nono dia de semeadura, o trigo a despontar é arrancado e não voltará a nascer, deixando em seu lugar uma trilha – a trilha do morto!!! Foi pôr as canas na rima do Daniel Bicho, soltou o burro que (como burro) procura a casa, mas vinga-se nas couves! Ele… monta a bicicleta e dirige-se a Benfica, para que o vejam, regressando no dia seguinte, para ajudar (?) nas buscas. É tanto quanto me lembro das conversas que ouvi, dos contactos com todos os personagens e, sobretudo, da voz tranquila, repousante, assisada, do Avô Palaló.

© DANIEL FALCÃO