Autor Data 1 de Maio de 2009 Secção Competição Problema nº 8 Publicação O Almeirinense |
Solução de: A TRILHA DO MORTO Mário Campino Como
sempre, sou parco nas soluções. Limitei-me ao essencial, sempre com
fundamento no texto base, já que entendo que as grandes explicações e
interrogações próprias pertencem aos solucionistas, em ordem a valorizar os
seus trabalhos. Começo
por esclarecer que, no enigma em análise, só o crime é pura ficção; as
personagens são reais em 80% dos casos. Tudo o mais, conflitos e amizades com
a natureza, ora hostil ora benigna, lugares, citações, a maneira de falar
típica da classe rural – que a memória me traz em sons activos
e me enchem o coração de saudável saudade – são reais, reportados aos finais
dos anos quarenta do último século; ainda hoje se encontram resquícios… só
que, naqueles tempos, a linguagem, parecendo rude, talvez brutal, era
ingénua, sincera, geradora de empatia. Mas
vamos à solução: Releva
a motivação na pessoa de Quim Faia. Devem ter-se encontrado, algures, perto
da casa do Jerónimo. Ciúmes? Duvido. Talvez para se defender da prometida
“cachaporrada” do To Zé. Atacado, atacou com uma pedra, ágil, rufia; depois,
com um pau do adversário, terminou a obra. Lembramos, em favor do exposto,
que deixou os óculos azuis sobre a arca do Casal e que, ao fugir, não os
levou, porquanto aparece ao Zé Vicente sem eles – o Vicente notou mesmo, nos
olhos acastanhados, a ansiedade, talvez medo. Quando chegou de Benfica e
levou o raspanete de Jerónimo, levava-os na cara (ver texto). A Ana não
voltou a vê-lo e ele não poderia entrar no Casal sem ser visto. Recordemos,
ainda, que o To Zé, quando o foi procurar, levava duas lembranças; uma, a cachaporra; a outra,
adivinha-se, seriam os óculos com que a vítima o iria confrontar pela sua
presença na casa. O Quim aproveitou para os reaver. Dirão os leitores que
poderia ter comprado outros. Fora de questão! Naqueles tempos, em Portugal,
eram raridade, mesmo na capital do país… Posto
isto, uma teoria possível para explicar os acontecimentos: o Tó Zé, quando
chegou aos Paços, tomou conhecimento de que o Quim estaria em casa do
Jerónimo – a falta de memória do Zé Vicente é como uma confissão do receio de
se ter comprometido. A vítima encontra o rival a dar de comer aos animais;
ainda não tivera tempo de ordenhar as vacas (o que não chegará a fazer, pois
a Rosa Leiteira acusa o Jerónimo de não lhe ter deixado o leite duas vezes - próprio
dia e seguinte; as próprias vacas são testemunhas barulhentas do facto pelo
evidente sofrimento das tetas super cheias, pois
mugiam e não comiam. (Não há que admirar que a leiteira, quando procurou o
leite, não encontrasse o Quim, antes ou depois da morte; naqueles tempos, as
bilhas de zinco, com tampas também em zinco, eram postas às portas dos
produtores. A informação é secundária para os solucionistas - que não têm
obrigação de conhecer usos - e cita-se por ser um facto real). Do
encontro resulta a morte. Quim desespera… Tem de ir para Benfica, para
afastar suspeitas, mas não pode deixar ali a prova do seu crime. Pensa
deixá-la à porta do Casal… Talvez ninguém o tivesse visto, nos Paços. Vai,
pois, buscar o burro, coloca o cadáver entre um dos dois molhos de canas e a
bicicleta, que fica em cima destes. Quando a noite se aproxima, começa a
chover, o que o favorece quanto a possíveis encontros no caminho. Mete-se à
estrada, arenosa, mas tem dificuldades em manter a carga, dado o
desequilíbrio do peso do corpo (ver texto). Próximo do Casal, depara com a
seara e irá deixar o corpo bem à vista. Resolve não se aproximar do Casal,
pois a “Ruiva” pode estar à espera do ausente. Ao ver a grade, tem uma ideia
(pensa ele) genial. Consegue pôr os tirantes no burro; depois de tirar as
canas, coloca o corpo sobre a grade, sobe ele, também, para ela e toca o
burro até ao termo do terreno lavrado. Volta pelo mesmo sítio e larga o corpo
no centro do terreno, deixando a grade tal como a encontrou. A chuva dessa
noite oculta prováveis indícios, mas deixará um só, bem patente: ao nono dia
de semeadura, o trigo a despontar é arrancado e não voltará a nascer,
deixando em seu lugar uma trilha – a trilha do morto!!!
Foi pôr as canas na rima do Daniel Bicho, soltou o burro que (como burro)
procura a casa, mas vinga-se nas couves! Ele… monta a bicicleta e dirige-se a
Benfica, para que o vejam, regressando no dia seguinte, para ajudar (?) nas
buscas. É tanto quanto me lembro das conversas que ouvi, dos contactos com
todos os personagens e, sobretudo, da voz tranquila, repousante, assisada, do
Avô Palaló. |
© DANIEL FALCÃO |
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