Autor Data 13 de Dezembro de 2015 Secção Policiário [1271] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2015 Prova nº 10 (Parte I) Publicação Público |
Solução de: FOI DO DESESPERO? Mário Campino Consultando
a velha agenda de capa preta, onde outrora registava os factos ligados ao
“Avô Palaló”, noto que o caso em questão não
apresenta, suponho, grandes dificuldades. Trata-se de um delito caseiro, uma
vez que está fora de dúvidas qualquer eventualidade de ter sido produzido por
estranhos. Aliás, naqueles tempos, os delitos maiores limitavam-se ao assalto
a capoeiras; então vivia-se e dormia-se em segurança de “portas abertas, dia
e noite” (saudosos tempos!). O
“Avô Palaló” mandou chamar o Dr. Chico, não por
qualquer suspeita, mas por ser necessária a certidão de óbito; todavia, o
médico, com a sua cuidadosa atenção na observação do morto, acabou por
desferrolhar a face oculta de um drama. Na verdade, se a morte tivesse
ocorrido na posição sentada, a vítima – ainda que tivesse ocorrido um último
espasmo, que não se verifica na morte instantânea – conservaria a mesma
posição enquanto durasse o estado de rigidez ou, cientificamente, o “rigor mortis”, que num corpo delgado como o do Libânio e uma
noite fria para a época, se inicia duas a três horas após a morte e cessa dez
a doze horas depois. Na sequência do trabalho, o médico descobre as manchas
roxas no pescoço, logo nas costas, nas nádegas, parte inferior das coxas até
aos calcanhares, daí a ilação de que o corpo estivera em decúbito dorsal,
representando as manchas os livores cadavéricos em resultado da gravidade actuando sobre os vasos sanguíneos. Note-se que se a
vítima tivesse perecido e mantido na cadeira, os livores estariam fixados na
parte inferior do corpo – nádegas, coxas e pés. É por demais. Óbvio que o
cadáver foi transportado da posição de decúbito dorsal para a cadeira e já em
avançado estado de rigidez, que manteve – este seria o motivo do segredo do
médico ao avô. Porquê
e quem matou? Aludimos que era um crime caseiro, logo os dois suspeitos são
Óscar, o sobrinho que poderia herdar sem trabalho, de que não gostava e
Miguel, tentado pelo “pé-de-meia” do patrão, um crime caseiro e de ocasião.
As motivações latentes. Óscar,
frágil e enfraquecido pela bebida, está fora de questão, jamais conseguiria
transportar o corpo do tio, do chão para a mesa; Miguel, um homem forte,
facilmente o faria e fez – é ele o culpado. Também não havia – nada o refere
– vestígios de sangue nas mãos de Óscar, no pilão ou corpo do tio. Dado
que a vítima estava, quando foi encontrada, em estado de rigidez,
considerando o período de “rigor mortis”, a morte
deve ter ocorrido nas primeiras horas da noite anterior. Assim, visto que
Miguel nunca tinha entrado na casa e esta não apresentava vestígios de busca,
tudo indica que descobriu o esconderijo do mealheiro quando o patrão retirou
uma pequena nota. Não resistiu ao dinheiro, pegou no pilão de cobre que
estava à mão e atingiu o patrão na cabeça. Sem consciência da própria força,
o que seria, em princípio, um roubo, foi um assassínio. Ainda atordoado,
pensou rápido. Maliciosamente, com o dinheiro no bolso, deixou o Libório
estendido e foi colocar o pilão na cama de Óscar, para o incriminar. Iria
fugir, mas, fugir significava denunciar o seu crime e inocentar Óscar. Ficou
toda a noite a procurar uma solução e, de madrugada convenceu-se tê-la
encontrado. Foi deslocar o patrão para a mesa, com o pequeno-almoço habitual,
para indicar que a morte foi de manhã, enquanto ele estava na ordenha. Mas a
luz do candeeiro estava a findar por falta de combustível, mal teve tempo de
olhar para o resultado da encenação… (Daí o corpo não ficar sentado). Correu
para fora, tinha de levar as bilhas de leite para a estrada porquanto o
leiteiro devia estar a chegar. Levou as duas do costume, mas uma vazia e
porque duas bilhas representavam a ordenha de duas vacas, tentou levar mais
uma para a pastagem; contudo, a vaca, aflita com o leite, voltou e foi juntar
o seu mugir doloroso às restantes. Este foi o primeiro indício para o avô,
não compreendeu no momento, mas relembrou-se depois, para acusar Miguel. Dir-se-ia que Miguel foi vítima da sua força
por duas vezes; a primeira ao bater com o pilão, a segunda ao transportar o
cadáver. E
foram estas as conclusões que o Avô apresentou ao cabo André. |
© DANIEL FALCÃO |
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