Autor Data 20 de Novembro de 2022 Secção O Desafio dos Enigmas
[153] Competição Torneio
"Solução à Vista!" – 2022 Prova nº 5 Publicação Audiência GP Grande Porto |
FALTA DINHEIRO NA CAIXA! Ma(r)ta Hari O
guarda Antonino caminhava calmamente pela avenida ao fim da tarde, de mãos
atrás das costas, olhar perdido no vazio, pensamentos à solta pelos tempos da
sua infância e juventude vividos no relvado central da vizinha Alameda, em
animados jogos de futebol normalmente interrompidos pela polícia após
denúncia dos comerciantes. “Senhor guarda! Senhor guarda!” – ouviu-se de repente. Antonino julgou que aquele grito
saíra dos seus pensamentos e quase desatou numa corrida de fuga à polícia,
julgando-se numa partida de futebol entre amigos na sua há muito longínqua
infância. Mas não, aquele gritado “Senhor guarda! Senhor guarda” era dirigido
a si próprio, o guarda Antonino. Quem
gritava era o senhor Arnaldo da velha mercearia da rua Abade Faria, que
gesticulava na sua direção, pedindo que se dirigisse até lá. Com ele estava a
menina Ana, uma simpática estudante de economia, que ocupava muitas vezes o
lugar de Arnaldo, sempre que este precisava de satisfazer algum compromisso
durante o horário normal de funcionamento da mercearia. Pelos vistos, o caso
era muito sério. Ao fazer as contas ao fim do dia, verificou-se que faltava
dinheiro na caixa registadora. E não era muito pouco para aquele negócio de
bairro. Segundo o Arnaldo, algo de anormal se terá passado nas últimas duas
horas, período durante o qual a mercearia ficou ao cuidado da menina
Ana. –
Acho que fui enganada… Mas não sei como – confessou a rapariga, meio nervosa
e envergonhada, já com a voz embargada, porque o Arnaldo já tinha insinuado
que ela estaria ligada ao desaparecimento do dinheiro. Antonino tentou
sossegar a jovem, pedindo-lhe que contasse tudo o que lembrasse do que se
passou durante o tempo em que esteve responsável pelo atendimento dos
clientes. Ana puxou pela memória e relatou um caso de alguma confusão que lhe
parecia relevante para apuramento das razões da falta do dinheiro. Tinha
muito presente que estiveram por lá ao mesmo tempo a vizinha Maria do prédio
de gaveto, o menino João da praceta e a dona Berta do cabeleireiro. Enquanto
atendia a cabeleireira, uma pessoa muito exigente na qualidade e preços dos
produtos à venda, Ana nem deu pelos outros clientes. A D. Berta andava de um
lado para o outro, entre os tomates e os pimentos, sem saber o que escolher
para a salada do jantar, discorrendo longamente e com ênfase sobre as
diferenças dos dois produtos e seus valores na cadeia alimentar e na relação
qualidade/preço, tardando em tomar uma opção, como se esperasse que fosse a
empregada a tomar uma decisão que era só sua. A vizinha Maria já denotava
alguma impaciência com a espera, pelo que interrompeu o monólogo de D. Berta,
interpondo-se entre ambas junto ao balcão, com um pacote de bolachas. As
bolachas, que custavam 5,60 euros, foram pagas com uma nota de 100 euros.
Apesar de estranhar que a cliente quisesse pagar um valor tão baixo com uma
nota tão alta, Ana deu o troco e a vizinha Maria foi-se embora, com 94,40
euros em notas e moedas. O caso não escapou à crítica de D. Berta, que
começou a perorar sobre a falta de sensatez de algumas pessoas, que não
percebem quanto as suas atitudes irrefletidas são prejudiciais à boa prática
e regular funcionamento das micro e pequenas empresas. E mais uma vez, foi
interrompida. O menino João pegou em meia dúzia de bombons e pô-los em cima
do balcão. A conta deu um total de 2,50 euros e o rapaz deu uma nota de 50
euros. –
Desculpe, mas não tem uma nota mais pequena? – perguntou
Ana, já quase sem trocos na caixa registadora, enquanto D. Berta acenava com
a cabeça em sinal de reprovação, enquanto resmungava entre dentes “que falta
de discernimento”. –
Não – respondeu João, distraído com o seu telemóvel, sem dar grande atenção,
tanto à pergunta da empregada como à reação de D. Berta. Ana
sorriu diplomaticamente, apesar da antipatia de João, e fez o troco: 47,50
euros. Este largou o telemóvel, aceitou o dinheiro, guardou-o no bolso e,
surpreso, olhou para Ana e disse: –
Desculpe, estava distraído… Claro que tenho notas mais pequenas! Abriu
a carteira e tirou 50 euros em notas pequenas, que pôs em cima do balcão para
que Ana as pudesse ver. –
Aliás, até lhe faço uma coisa – disse, apontando para o dinheiro que pusera
em cima do balcão. – Consegue trocar-me estas notas todas por uma nota de 50
euros? –
Penso que sim – respondeu Ana, que abriu a caixa, retirou uma nota de 50
euros, e estendeu-a a João, que a aceitou. –
Desculpe ter olhado, mas reparei que tem uma nota de 100 euros aí dentro…
Importa-se de ma dar? João
colocou a nota de 50 euros que acabara de receber sobre os outros 50 euros em
notas pequenas e Ana, fazendo a soma de cabeça, deu-lhe a nota de 100
euros. –
Pronto, assim a Ana fica com mais notas… E desculpe. –
Não faz mal – respondeu Ana, sorridente, e recolheu os 100 euros em notas que
estavam em cima do balcão. “Quem me dera que todos os clientes fossem capazes
de pedir desculpa quando são mal-educados”, pensou. João
pegou nos bombons e na nota de 100 euros, despediu-se e saiu da loja. Indignada
por não ter sido ainda atendida, D. Berta saiu logo atrás dele, vociferando
palavras irreproduzíveis nestas páginas. Algum
tempo depois, o senhor Arnaldo chegou para tratar da caixa. E depois de
feitas as contas, confrontou a empregada: faltava dinheiro! Foi então que ele
viu em passeio o guarda Antonino, reclamando logo a sua ajuda na resolução
daquele caso. E, na verdade, ouvido o relato da jovem Ana, ficou tudo
esclarecido. Face
ao relato de Ana, pede-se que o leitor nos diga quanto dinheiro falta na
caixa e quem é o responsável pelo seu desaparecimento. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|