Autor

Marth

 

Data

2 de Dezembro de 1988

 

Secção

O Detective [61]

 

Competição

2ª Supertaça Policiária - Cidade de Almada

Problema nº 4

 

Publicação

Jornal de Almada

 

 

Solução de:

ROSAS A MAIS PARA UM CADÁVER

Marth

 

As principais conclusões que se podem tirar com base em tudo o que é dito no texto do problema são:

A) Miguel de Sousa suicidou-se. Concluímos isto porque:

1) Há vestígios de pólvora na sua mão esquerda (o que significa que a arma foi disparada com essa mão) e

2) Sabemos que ele era esquerdino atendendo:

a) à posição da secretária relativamente à janela (está colocada de forma a que a luz venha da direita);

b) à posição do candeeiro (à direita);

c) à posição do telefone (à esquerda);

d) à risca do cabelo (à direita);

3) Só ele poderia ter tirado a pistola da gaveta (as impressões digitais no puxador são dele) e só ele (ou a Srª Maria) poderia ter ido buscar o carregador ao quarto (atendendo às impressões digitais nas maçanetas das portas interiores);

4) O disparo foi efectuado «à queima-roupa» na têmpora (uma vez que há queimaduras e tatuagens nos bordos do orifício de entrada da bala);

5) A bala percorreu uma trajectória ascendente que seria difícil de obter se, estando ele sentado, alguém (de altura mediana ou acima da média) que estivesse de pé ao seu lado tentasse atingi-lo na têmpora;

6) Ele tinha motivos para se suicidar uma vez que:

a) a mulher o abandonara poucos dias antes;

b) combinara um encontro de reconciliação e ela não apareceu à hora combinada;

c) acabara de saber que sofria de um cancro que provavelmente o mataria em poucos meses;

7) O cartão que apareceu queimado continha possivelmente uma mensagem de suicídio que teria sido escrita com a esferográfica que estava a meio da secretária.

B) Ninguém entrou pela janela do escritório visto que:

1) Não há pegadas no canteiro de rosas em frente à janela;

2) Não há pegadas nem lama ou terra dentro do escritório (e sabe-se que tinha chovido toda a manhã);

3) O vidro da janela foi partido com o batente aberto uma vez que há cacos caídos sobre a secretária que estava ligeiramente afastada da janela (o suficiente para abrir os batentes de par em par sem derrubar o candeeiro).

C) Alguém esteve no escritório depois do disparo já que:

1) A janela foi aberta depois do disparo porque a bala a atingiu por dentro (além disso, se a janela estivesse aberta, seria estranho que nenhum vizinho tivesse ouvido o tiro);

2) Alguém pegou na pistola, limpou-a cuidadosamente e atirou-a para o roseiral;

3) No escritório não apareceu a cápsula da bala o que significa que alguém pegou nela;

4) Os papéis foram queimados por alguém vindo do exterior porque ali não havia fósforos nem isqueiro;

5) Não apareceu dinheiro nenhum nos bolsos do morto logo, alguém lhe roubou o dinheiro que ele trazia consigo;

6) Alguém vindo de fora esvaziou o copo porque:

a) ele estava molhado mas vazio (enquanto que a jarra na mesa estava cheia);

b) foi usado para apagar o fogo no cesto dos papéis (e como se disse o fogo foi provocado por alguém vindo de fora);

c) alguém limpou o copo (por fora) com cuidado pois não tinha nenhuma impressão digital (é claro que Miguel de Sousa não (tinha motivos para limpá-lo);

7) O vidro da janela foi partido depois de Miguel de Sousa morrer porque senão ele teria limpo os cacos de vidro de cima da secretária;

8) Alguém limpou cuidadosamente a maçaneta da janela e as maçanetas da porta principal;

9) Alguém deixou a porta principal aberta.

D) O intruso não foi um assaltante ou um vulgar ladrão porque:

1) Ele não se contentaria com o dinheiro dos bolsos de Miguel do Sousa, teria tentado abrir as gavetas da secretária;

2) Teria também entrado nas outras divisões da casa e então, ou deixava impressões digitais nas maçanetas das portas ou as limpava como fez na porta principal;

3) Ele não teria interesse (antas pelo contrário) em fazer crer num homicídio e portanto não tinha razão nenhuma para: partir o vidro e abrir a janela, atirar a pistola para longe, pegar na capsula, queimar o cartão.

E) O intruso não foi nem Jorge Silva nem a Srª Maria porque ambos estiveram acompanhados até à uma hora e:

1) A janela do escritório foi aberta antes de parar de chover e portanto antes ou muito perto da uma hora;

2) Acreditando nas declarações de Helena de Sousa o intruso teria entrado antes dela chegar porque ela foi a última a tocar no botão da campainha (e ninguém entra numa casa alheia sem tocar à campainha, quer seja para chamar os moradores, quer seja para verificar se a casa está vazia).

F) Foi Helena de Sousa que esteve no escritório visto que:

1) Só ela poderia ter a chave da casa (já se sabe que o intruso não entrou pela janela e que não é um ladrão vulgar) e

2) Não terá sido Miguel de Sousa a abrir a porta à pessoa que esteve no escritório depois de ele se matar já que «o suicídio é um acto solitário»;

3) Ela tinha motivos para apagar os indícios de suicídio porque:

a) tendo deixado o marido há tão pouco tempo seria sempre apontada como responsável moral pelo suicídio;

b) talvez o bilhete deixado por Miguel de Sousa não fosse muito lisonjeiro para ela;

c) ela queria receber o seguro de vida do marido (havia recibos de várias companhias de seguros na gaveta da secretária o que indica que não se trataria só de seguro automóvel);

4) Ela é fumadora e portanto teria consigo um isqueiro ou fósforos com que pôde queimar o cartão;

5) A hipótese de Miguel de Sousa ter saído de casa antes de Helena chegar e ter voltado mais tarde acompanhado de alguém que tivesse depois simulado o homicídio é indefensável porque:

a) ele morreu antes da uma hora já que a janela do escritório foi aberta depois de ele morrer e antes da chuva parar;

b) tinha combinado encontrar-se ali com a mulher e estaria à espera dela;

c) nem sequer chegou a almoçar.

© DANIEL FALCÃO