Autor

Márvel

 

Data

1959

 

Secção

Mistério [2]

 

Competição

Torneio Policiário "Pantera Negra"

2º Problema

 

Publicação

Colecção Pantera Negra [7]

 

 

O TELEFONEMA MISTERIOSO

Márvel

 

Aquele dia de Dezembro de 1956 amanhecera, positivamente, carrancudo. A chuva caía, ininterruptamente, por toda a cidade, inundando os raros transeuntes que àquela hora matinal se dirigiam, a pé, para o trabalho. Numa torre próxima, o carrilhão fez ouvir, sob o ruído da chuva, as badaladas das oito e meia.

Emil Dean, gerente da «Metropolitana», parou o carro junto do edifício onde esta importante firma tinha a sua sede. Era um prédio de cinco andares, servidos por dois elevadores, além da escadaria de marmorite que, nesse dia, estava intransitável, devido a obras que tornavam impraticáveis os lances do primeiro para o terceiro andar ou deste para aquele. Entrou no pequeno vestíbulo. Como de costume, o irrepreensível porteiro lá estava, saudando-o respeitosamente. Depois de corresponder à saudação do empregado, ia entrar no ascensor da direita, quando o mesmo o impediu, dizendo:

– Um momento, senhor Dean. Esse elevador está avariado – e, ao mesmo tempo, o homem abria a porta do da esquerda.

O gerente entrou e carregou no botão destinado ao segundo andar, onde chegava momentos depois. Em frente, estava uma porta de vidros martelados e, ao lado desta, numa pequena placa dourada, lia-se: «Escritórios». À direita e à esquerda, viam-se pequenos corredores. No da direita, ficavam os quartos de banho. No da esquerda, situavam-se varias dependências da casa.

Emil Dean empurrou a porta, entrando na pequena sala de espera. À esquerda, ficava o seu gabinete e foi aí que se dirigiu. O compartimento estava mobilado com uma secretária e a respectiva cadeira, quatro poltronas, um cofre forte de linhas modernistas e uma pequena estante de parede, onde se viam vários livros em completo estado de limpeza e arrumo, denotando que já fora feita a limpeza diária. Dean despiu a gabardine e colocou-a num cabide, oculto atrás da porta. Ia dirigir-se para a secretária, quando notou que a porta do cofre estava entreaberta e na fechadura se via uma chave. Levado por um pressentimento, chegou junto do cofre e escancarou a porta. Estava vazio.

Passado o primeiro momento de estupefacção, reagiu e, saindo do gabinete, atravessou a sala de espera, entrando noutra dependência. Sentado à secretária, em mangas de camisa, achava-se Arthur Kuigth, um dos mais antigos empregados da firma. Ao ver o chefe, levantou-se e cumprimentou-o. Sem corresponder à saudação, Dean perguntou-lhe:

– Retirou os 50.000 dólares do cofre?

– Não, senhor Dean. Com efeito, fui hoje ao cofre. Precisei da apólice que lá estava, mas não toquei no dinheiro. Porquê?

– Já lá não está. A propósito: deixou a sua chave na fechadura?

– Claro que não. Tenho-a aqui… Ah! Desapareceu! Tinha-a em cima da secretária.

– Já chegou mais alguém?

– Sim. Stanley e Grosvenor, que estão nos respectivos gabinetes.

Dean dirigiu-se a uma das três portas existentes no interior do gabinete em que se encontrava. Após alguns esforços, conseguiu abri-la, provocando forte rangido. Lá dentro, perguntou a Stanley pela chave do cofre que possuía e ele mostrou-lha. O gerente noticiou-lhe o desaparecimento do dinheiro e abriu uma das outras duas portas, a que dava para o escritório onde Grosvenor trabalhava, sentado à secretária, em frente à outra porta, e escrevia, parecendo nem dar pela entrada de Dean. Este disse-lhe que tinham roubado uma importante quantia e perguntou-lhe se tinha visto qualquer estranho dentro do edifício. Ante a resposta negativa, tomou a decisão de avisar a polícia.

 

Quinze minutos depois, o Inspector Sampson, acompanhado do seu inseparável amigo Carlos Bramble, conhecido romancista policial, e de dois agentes, chegava àquele segundo andar. Recebidos pelo gerente, este acompanhou-os ao local do roubo.

Posto ao corrente do que se passava, Sampson começou a agir, perguntando a Dean:

– Tocou na chave que está no cofre?

– Sim. Quando abri a porta, segurei a chave.

O Inspector perscrutou o interior do cofre, que nada o adiantou.

Bramble, que seguia atenta e silenciosamente os movimentos do amigo, pediu a Dean:

– Pode mostrar-nos os gabinetes onde se encontram os seus empregados?

– Certamente! Sigam-me, senhores.

Bramble, o Inspector e um agente acompanharam Emil Dean. O outro guarda ficou no gabinete com os empregados do escritório.

No gabinete de Kuigth, tudo estava com ordem. Na secretária, viam-se espalhados, com profusão, diversos documentos, denotando grande actividade. Num cabide, na parede, estava uma gabardine e um casaco.

No gabinete anexo, notava-se pouco mais ou menos a mesma coisa. No cabide via-se somente uma gabardine. Também acharam fechada a porta que dava para o corredor, ao contrário do que acontecia no gabinete de Kuigth.

No gabinete de Grosvenor, estava também fechada a porta que dava para o corredor. Papéis desarrumados mostravam que este funcionário não estivera inactivo.

Após ter verificado a disposição dos compartimentos, o Inspector perguntou a Dean:

– Há quanto tempo trabalham na firma os seus três empregados?

Kuigth, há dez anos; Stanley há três e Grosvenor entrou ontem, mas está aqui provisòriamente. Com a proximidade do balanço, metemos mais pessoal. Os que mostrarem aptidão para o lugar ficam. Os outros saem, no fim do balanço.

– A que horas entra o restante pessoal?

– Às nove!

– Por quem e a que horas é feita a limpeza?

– Às sete horas, por duas mulheres. O porteiro, que chega a essa hora, dá-lhes as chaves principais. Geralmente, a limpeza dura três quartos de hora, visto não ser uma limpeza geral. Essa é feita ao sábado.

– Quem possui chaves do cofre, senhor Dean? – interrogou, por sua vez, o escritor.

– Eu, Kuigth e Stanley.

Não tendo mais nada a fazer nas outras dependências, regressaram ao gabinete da gerência. Sem cerimónia alguma, Sampson tomou lugar à secretária, entrelaçando as mãos sobre o peito, e começou:

– Bem, meus senhores! É chegada a hora de me prestarem as suas declarações. Inútil será dizer-lhes que qualquer falta à verdade será tomada como prova de culpabilidade. O senhor primeiro, Dean.

– Pouco tenho a dizer. Cheguei às oito e trinta e dirigi-me para aqui. Vendo o cofre aberto e sem os 50.000 dólares, perguntei a Kuigth se os havia mudado de lugar. A seguir, interroguei Stanley e Grosvenor. Como estes nada soubessem, telefonei-lhe, Inspector.

– E o senhor Kuigth o que me diz?

– Cheguei às oito horas. Talvez passassem um ou dois minutos. Subi. Abri a porta com a minha chave e dirigi-me ao meu gabinete. Tirei a gabardine e o casaco. Ia iniciar o trabalho, quando me lembrei de que precisava de uma apólice que estava no cofre. Fui lá e trouxe-a. O dinheiro lá estava e lá ficou. Ao regressar… É verdade! Devo dizer que tenho a certeza de ter trazido a chave do cofre. Ao regressar, encontrei Grosvenor, Acompanhei-o ao gabinete n.º 3, abri a porta do corredor e dei-lhe trabalho para fazer. Quando voltei, pousei a chave do cofre na escrevaninha, como costumo fazer sempre. Então senti vontade de ir ao mictório e, abrindo a porta do meu gabinete que dá para o corredor, saí, encontrando-me com Stanley, o qual, passando pelo meu gabinete, entrou no seu, fechando a porta. Quando voltei ao escritório, comecei o trabalho, até que o senhor Dean chegou e participou-me o roubo.

– Agora é a sua vez, Grosvenor.

– Cheguei às oito e cinco. Entrei pela porta da sala de espera e dirigi-me ao gabinete do senhor Kuigth. Este acompanhou-me ao n.º 3, deu-me trabalho para fazer e saiu, provocando um estalido numa porta. Pouco depois, ouvi novo estalido, este provocado pela porta do n.º 2… e mais nada. Comecei a trabalhar, até que ouvi novo rangido e o senhor gerente entrou, pouco depois, perguntando-me se eu vire algum estranho.

Grosvenor calou-se. Sampson manteve-se, por momentos, alheio. Depois, olhou interrogativamente para Stanley. Este, compreendendo a intenção, começou:

– Seriam oito e dez quando cheguei. Como de costume, ia tomar o ascensor da direita, mas, notando que estava avariado, servi-me do outro. Ao chegar acima, o senhor Kuigth estava o sair do seu gabinete. Pela porta do dele entrei no meu, onde fiquei a trabalhar até que o senhor Dean perguntou-me pela minha chave do cofre e disse-me que haviam desaparecido de lá os 50.000 dólares.

– Por que não abriu a porta que dá para o exterior do seu gabinete tal como fizerem os seus colegas?!

– Ah!... Sim… A porta… Bem, esqueci-me da chave, em casa. Ficou no bengaleiro.

– Muito bem. Senhor Dean, faça o favor de mandar chamar o porteiro.

Grosvenor, chame o porteiro.

Depois de ele sair, Dean voltou-se para Sampson e disse:

– Não há dúvida que houve roubo. Assim, agradecia-lhe que me passasse um papel, confirmando-o, para que eu possa receber o seguro. Isto, no caso de não descobrir o larápio, é óbvio.

– De acordo, Dean.

Nesse momento, Bramble chegou junto do Inspector e cochichou-lhe qualquer coisa que os outros não ouviram. Quando acabou, Sampson, voltando-se para Emil Dean, falou assim:

– Estou de acordo em passar-lhe o papel, Dean. Mas como me prova que estavam no cofre 50.000 dólares.

– Tenho a senha do Banco onde os levantei ontem. Eram cinquenta notas de mil, em dois maços de vinte e cinco cada. Quer vê-la?

– Se faz favor…

– Stanley, vá buscar essa senha do Banco. Livra, Inspector! O senhor desconfia de tudo e de todos.

– É esse o meu mister. E queria que lhe passasse tal papel sem ter a certeza de que no cofre havia essa quantia? Mesmo depois de ver a tal senha, a dúvida continua, pois nada me diz que o dinheiro estivesse no cofre.

– Devo tomar as suas palavras como uma acusação?

– Tome-as como quiser.

A entrada de Grosvenor, acompanhado do porteiro, interrompeu a discussão. O Inspector perguntou logo:

– Depois de ter entrado em serviço, quem é que você viu entrar cá na casa, antes da chegada do senhor Dean?

– Além destes senhores e das mulheres da limpeza, entraram mais duas pessoas que procuravam o senhor Dean. Disse-lhes que ele só chegaria depois das oito e meia.

– Obrigado. Pode retirar-se.

Após a saída do porteiro, Sampson perguntou a Dean.

– Tem alguma ideia de quem sejam essas pessoas?

– Não! – respondeu bruscamente.

Nesse momento, Stanley voltou e entregou a senha do Banco a Sampson que, depois de a examinar, entregou-a a Bramble e este pousou-a na secretária.

Seguiu-se silêncio, Por fim, Sampson falou:

– Nada mais temos a fazer aqui. Depois lhe mandarei a confirmação do roubo. Bons dias.

Sampson e Bramble saíram, acompanhados dos polícias. Já na rua, Sampson dirigiu-se a uma cabine telefónica, dizendo:

– Tenho que fazer um telefonema, antes que certa pessoa o faça primeiro.

Marcou um número. Quando atenderam, informou-se àcerca da identidade do interlocutor e formulou uma pergunta. Após a resposta, antes de desligar o aparelho, proferiu ainda:

– Fica? Muito obrigado, minha senhora.

O Inspector juntou-se a Bramble e aos agentes, que já se encontravam dentro do carro-patrulha que o condutor fez seguir para a esquadra. Chegados ali, Sampson e Bramble trocaram impressões e dessas impressões nasceu uma luz: A luz da verdade.

 

PERGUNTA-SE:

– Para onde e com que fim foi feito o telefonema?

– Qual a melhor solução para este caso?

– Exponha o seu raciocínio.

 SOLUÇÃO (não publicada)

© DANIEL FALCÃO