Autor Data 6 de Fevereiro de 2000 Secção Policiário [447] Competição Prova nº 10 Publicação Público |
Solução de: NA PAZ DA MONTANHA Marvel O velho Neca foi morto pelo
seu vizinho Roque. O sargento Elias certificou-se
de que as meias de lã, “grossas e grosseiras”, envergadas pela vítima estavam
secas, o que demonstra que o velho, ao entrar em casa, as protegia com algum
tipo de calçado (tê-las-ia molhado, de contrário, no terreno “perenemente
humedecido”; se considerarmos as calças húmidas abaixo dos joelhos, indicativo
das anteriores fainas piscatórias, concluiremos que não houvera tempo para as
meias secarem), o que, para além de ser lógico (não se vagueia de meias pelas
agruras da montanha), indica que utilizava um dos dois pares de calçado
achados perto de si. As sandálias ficam excluídas, já que eram de “enfiar no
dedo”, tarefa impossível quando estão em jogo umas “grossas e grosseiras”
meias de lã. Restam os socos. Porém, naquele piso “de granito”, cada passo equivaleria
a uma martelada de carpinteiro, o que alertaria o intruso, na cabana. Ora,
segundo as palavras de Roque, Neca teria apanhado o assaltante totalmente de
surpresa a explorar, de gatas, o esconderijo. Uma revisita ao panorama
estabelecido transporta-nos à conclusão de que a pessoa assassinada recebia e
carecia de bem mais elementos de consumo do que os citados pelo comerciante
Tomás – de resto personagem fulcral para balizar a questão –, que eram, como
sabemos, pão, vinho, uma eventual garrafa de aguardente e ainda menos usuais
apetrechos de pesca, para além de alguma peça de roupa recebida por dádiva
ocasional. Com efeito, há na história
um cachimbo a insinuar utilização. Donde lhe vinha o tabaco? Acresce um rádio
de pilhas? Donde lhe vinham as pilhas de substituição? A própria toalha sobre
a qual repousavam os citados objectos, não obstante “sebenta e retalhada”,
não podia remontar ao tempo da consorte do falecido agora, dada a presença de
“kiwis” entre a fruta que a ilustrava. Porque a entrada de tal fruto nos
nossos costumes alimentares correntes ocorreu irá para uma dúzia de anos,
tendo o passamento da senhora acontecido havia perto de 30. Alguém andava, pois, há
muito, mimando o tio Neca com tais e outros “quitutes”. “Quitutes” cuja
natureza e aplicação exigiam renovação não muito distanciada no tempo,
identificando, assim, uma presença constante e próxima. Alguém com tempo e
ensejo para espiar o velho pescador e descobrir, assim, o funcionamento da
porta e o esconderijo do razoável tesouro. Alguém que teve o esmero de
transmitir a terceiro o modo de penetrar no casebre. Alguém que teve o bom
senso de perceber que o roubo puro e simples não servia: na melhor das hipóteses,
o próprio Neca lhe cuidaria do canastro. Alguém que teve paciência e o autodomínio
para aguardar a entrada em liça de um bode expiatório à sua maneira. Adivinhem quem? |
© DANIEL FALCÃO |
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