Autor Data 1 de Novembro de 2007 Secção Competição Problema nº 3 Publicação O Almeirinense |
UM ÁLIBI IRREFUTÁVEL Marvel O
dono da espelunca semi-clandestina acolheu a
polícia com óbvias reservas, mas dispôs-se, pressuroso, a colaborar e
esclarecer. “Até onde pudesse.” Não sabia nada do telefonema anónimo que
alertara a esquadra para um gastador compulsivo, referenciado como sem cheta
usual, a fainar ali na tasca; mas, de facto,
aparecera, havia o seu bocado, um tipo – o Faneca, palrador e remexido, que
juntara companhia a uma mesa e pagava rodadas. –
Tinha a língua solta e desabrida. Vi-me quase obrigado a mandá-lo ter modos
um par de vezes; mas, enfim, é preciso olhar pela vida e ele lá pagar,
pagava. Outro
dono, este de um quiosque, fora atacado à paulada e roubado, quando se
aprestava a encerrar o estabelecimento, não longe dali. Acabara por morrer. –
Isso é mau, por cá não constou nada. Olhe, o Faneca é aquele, acolá. –
Há quanto tempo está ele aqui? O agente revia mentalmente um extracto do relatório médico preliminar: “… morte
ocorrida entre as 22,15 e as 22,30, em consequência de hemorragia…” –
Não sei ao certo, mas seguramente que às 10 já cá estava. Calhou que olhasse
o relógio. –
Ele ausentou-se alguma vez? –
Lá para uma mija, ali atrás, isso foi. Agora, ir
defronte, à Micas, dar a sua “rapidinha”, olhe, nem isso; posso garantir. Aferroado,
o Faneca: –
Algum tinhoso de merda, que não pode ver alguém
abonado, quis tramar-me, hem? Pois terá notícias minhas. Aliás, estou a
cismar num mânfio ou dois… Credo, como embirro com
chibos! Até dói! O dinheiro nem é muito, mas é meu, ganho com o suor do
rosto, que não ando às carteiritas nem ao fio de cobre. Que sei eu de
pauladas e de mortes? Nadinha! Vejam lá os senhores guardas que não falta
aqui gente da boa que me presta um álibi irrefutável, ou lá como vocês dizem.
Não me mexo daqui há montes de tempo. Pergunta-se: –
Será assim tão irrefutável o álibi do Faneca? –
Porquê? |
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© DANIEL FALCÃO |
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