Autor

M. Constantino

 

Data

Abril de 2004

 

Publicação (em Secção)

O Lidador… das Cinzentas [3]

 

 

OUTROS TEMPOS, OUTROS VENTOS

M. Constantino

 

Nuvens sulcam o ar, muito brancas, num azul, muito azul.

Aves cortam as nuvens, saudando o Sol lá longe, a despontar.

Entre verdes festões, mil flores – paleta de cores que a Natureza criou, sonho dos pintores dum quadro do Paraíso.

No verde primaveril das plantas, no multicolorido das flores, no dourado do Sol entre as ramagens, as aves vêm, em bandos, pousar junto do velho tronco de carvalho, erecto e sólido, com seis ramos apontados ao infinito, em círculo, como um gigantesco candelabro.

Postas de parte as divergências políticas, de ordem económica ou de simples sobrevivência, seis aves vão discutir entre si a escolha de um juiz e o chefe da polícia, posteriormente novos cargos seriam criados, para que as dez mil espécies de aves vivas pudessem conviver em harmonia.

Quando as aves devidamente credenciadas em referendo universal anterior, ocuparam os lugares devidamente designados, cada uma em seu ramo, fez-se silêncio, silêncio que domina igualmente a paisagem como se todas as árvores tivessem deixado de conversar perante a solenidade do momento.

No entanto, um pouco de desconfiança reinava ainda. A pega não se sentia muito à vontade ao lado das duas aves de rapina. Estas, lado a lado, iniciaram um diálogo irónico-raivoso:

– Seu gafanhoto atrevido! – atirou a ave colocada em frente do pássaro azul.

– Sua margarida desfolhada! – respondeu a ave à direita daquela.

– Silêncio, caros magarefes! – impôs o estorninho, piscando um olho atrevido ao melro, que se desviou mais para o seu lado, arrepiando-se entre as terríveis garras do seu outro vizinho.

O míope mocho encheu-se de brios e, senhor da sua fama de pensador, discursou em pios agudos e compassados, distribuindo por fim os boletins de voto que lhe foram passados pelo tímido chapim.

O mais pequeno dos pássaros, contados aqueles, pediu desculpas e afastou-se em voo leve.

A ave branca e negra estendeu a ponta da asa ao pássaro que estivera sempre na sua frente, e com uma reverência felicitou:

– Parabéns, meu caro chefe, trate de merecer a sua fama de esperto! – e com uma saudação respeitosa ao novo juiz, um bom dia alegre aos restantes, voou em companhia da ave emigrante.

Um dos candidatos vencidos, que se quedara cabisbaixo entre o novo juiz e o chefe da polícia, acabou por encolher os ombros e com um rápido bater de asas foi empoleirar-se no cimo de um alto pinheiro.

Os vencedores sorriram e voltaram-se para a assistência erguendo a asa direita numa saudação.

Um uníssono chilrear e bater de asas foi a inequívoca mensagem de aceitação.

 

Naquele tempo tinha, na realidade, sucedido o inefável – o segredo para viver em paz com todos e que consiste, pura e simplesmente, na arte de compreender cada qual segundo a sua individualidade.

Afinal, “outros tempos, outros ventos”, diz o provérbio.

 

Pergunto:

1º Quais as aves reunidas nos seis galhos, indicando os seus lugares em relação a cada uma das outras? Justifique.

2º Quem foi nomeado juiz e chefe da polícia, respectivamente? Justifique.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO