Autor Data 15 de Fevereiro de 2007 Secção Competição Prova nº 7 Publicação O Almeirinense |
LIÇÃO DEDUTIVA DO AVÔ PALALÓ M. Constantino O
novo ano escolar iniciara-se há sete dias. Manelzito,
ao contrário do costume, não estava atento. Suspirava pelo toque do pequeno
sino, à entrada da escola. Mal a dona Guilhermina puxou o badalo, saiu
disparado… Sacola de serapilheira a tiracolo, na qual o livro único não
calava o traquinar do lápis na ardósia! As pernas magras, apertadas nos
calções curtos, impediam passadas mais longas; contentou-se com passos
miudinhos, num frémito dançar das ancas. Quando
puxou o cordel que abria a pequena porta incrustada no grande portão de
zinco, já ia a gritar: – “vó”… “vó”, quero pão com “chóriço”! Vou
ter com o “vô” às Milheiras… Avó
Júlia sorriu docemente (ela bem sabia que o neto não usufruía aquele mimo em
casa da filha, onde, sem ser uma casa de faltas, os enchidos, logo que saíam
do fumeiro, eram limpos e mergulhados em azeite, em potes de barro, para
poderem ser usados, com peso e medida, durante todo o ano. Toucinho, sim, nas
três formas: assado, em torresmos ou curado)... Deu-lhe o acepipe, com um
grande beijo no alto da cabeça, e recomendou: – Vai devagar, filho… Manelzito há muito tirara a
fisga da sacola. Com a boca cheia, atravessou a Rua do Paço, parou um momento
a ver uma junta de bois a puxar um carro com um grande casco de vinho,
enveredou pela Rua dos Aliados até à Rua das Milheiras, onde, então, findava
o casario da vila. Dum lado, a parede do pátio do Vasco, ao qual se seguia o
olival da Marquesa; do outro, um pequeno muro caído; depois, as hortas até ao
Pupo. Ao lado do muro, um gato amarelo estava entretido com um carreiro de
formigas… Adiantou-se.
O gato não se mexeu; era demasiado novo para conhecer as diabruras dos
rapazes. Manelzito deixou cair uma ínfima migalha
no formigueiro; logo as formigas, como que conversando entre si, iniciaram o
arrasto. O gato interveio, com uma patada. Manelzito
acordou do feitiço, pisou o rabo do gato, que saltou no ar com um miado
angustioso, desfez o vaivém do formigueiro com a ponta de um graveto e
dirigiu-se para a horta das Milheiras, numa corrida frouxa. Um cão saiu de um
valado lateral e ladrou-lhe. Apanhou uma pedra e procurou atingir o animal,
que se refugiou para além da sebe, lançou-se pela rua de areia solta,
perseguido pelo latir de “apanha não apanha” do rafeiro, que voltava à carga.
Enfiou em corrida pelo portão da horta… foi até ao tanque e ao casarão! A
voz do avô veio dos canteiros do feijão verde,
emaranhados nas canas de apoio que encobriam a altura de um homem. –
Estou a regar. Vem ter comigo!... –
Mas eu não o vejo, vô… –
Vai até ao tanque e é fácil encontrares-me… Ágil,
subiu para a pia e desta para a borda do tanque, sem nada ver – apenas a água
sussurrante corria da pia… –
Vô, vô… não consigo
ver-te! Ficou
sentado, a balançar as pernas. Pouco depois, o rosto curtido e inteligente do
avô Palaló saiu do feijoal. Ajudou-o a descer e, em
tom chocalheiro, foi dizendo: –
Fizeste asneira, rapaz. Não precisavas subir ao tanque! Só precisavas puxar
pela cabeça, pensar… E explicou porquê. Recebeu
a explicação, distraído. A atenção já se dirigia para a fisga e um pássaro
que viera para o interior do telheiro… –
Vô… vô,
está ali um ninho de cuco… Eu vi-o… –
Nova asneira, rapaz… Chegou
a altura de perguntar: Em que consistiam as asneiras apontadas pelo avô Palaló? Justifique as respostas. |
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© DANIEL FALCÃO |
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