Autor

M. Constantino

 

Data

13 de Novembro de 2011

 

Secção

Policiário [1060]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2011

Prova nº 10 (Parte I)

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

OS ENIGMAS DA TRIBO DESAPARECIDA

M. Constantino

 

Primeiro temos a aldeia, a fixação a partir do mar e a Sul a floresta, que se deduz pelo abrir do Sol sobre as terras de cultivo e desaparecer (a oeste) para lá da montanha. As palhotas construídas em dois triângulos invertidos – estrelas de seis pontas – são 12 e acolhem 26 viventes. Parece não ser difícil estabelecer a numeração, de 1 a 12, sem repetições, de modo a que a soma da numeração de cada lado dos triângulos (4 cabanas em cada), incluindo as seis pontas das estrelas, seja igual a 26, o número total de habitantes, no momento.

Sem recorrer a tratados matemáticos, até por tentativas, temos:

 

1º Triângulo: 1+11+12+2=26; 10+9+5+2=26; 1+8+7+10=26.

2º Triângulo: 4+7+9+6=26; 4+8+11+3=26; 6+5+12+3=26.

 

Segue-se a tarefa de colocar os habitantes nas palhotas que lhes couberam. Pelo texto do problema sabemos que a palhota nº 1 foi escolhida para albergar Aristarco e Mentor e está colocada no ângulo esquerdo do primeiro triângulo. A ordem do juiz para o Pábulo (mentiroso) ir viver para a 5 com Albino, o dos dentes incisivos salientes, ou seja, o Castor (Dic.); seguindo o texto, seu irmão Raul com Pendão na palhota 11; isto é, a que está de costas para a de Alvanéu, que mantém a habitação 12, com Garçaim; Aurora fica no mesmo lugar, a nº 3, ponta Norte da estrela; e na mais distante da sua, ponta Sul da estrela e palhota nº 10, ficam Ursídeo com Bisonte (seu vizinho).

Na lateral Este do 1º triângulo o número mais baixo, a 7 (não ocupada, evidentemente), acolhe Lavanco e o gordo de barriga como um sapo, Untanha (Dic.) de onde vêem (na que só pode ser a 8) o de halos escuros em volta dos olhos, Panda (Dic.); a 9 é ocupada por Daniel (ou seja, o matador da raposa branca), o Aguará, e o Alfaraz.

No triângulo invertido, a palhota a nascente, nº 4, é ocupada por Donfafe e o de pernas tortas, Cambeta (Dic.). Na seguinte, Luís e o gordo Carlos, já antes referidos. Na última, a Oeste, nº 6, ficaram Paulo, aquele que acolheu Sibila, ou seja Boto, surdo (Dic.) e o armeiro Erco. Restam completar a 3 e a 2. Ora, sabendo-se que Aurora escolheu Garnisé e Ana, a de poucas palavras (Muda) era incompatível com a faladora Gralha (Dic.), podemos concluir que na 3 ficaram Aurora, Garnisé e a Muda. Na restante, a 2, Tono, Rubi e a Gralha. Para completar esta operação com nomes próprios e ápodos, segundo as acções e configurações dos viventes (não é necessário consultar os dicionários para todos os ápodos), vamos analisar o conteúdo das conchas de Aristarco, começando pelos caçadores.

Sabemos pelo texto que Jorge é Alvanéu; Albano o Ursídeo; Aguará é Daniel; Cláudio, sentado à porta da cabana é Bisonte; Albino, o dos dentes salientes, o Castor; porque Artur é o Alfaraz, o Panda só pode ser o Diogo. Dos pescadores, o texto identifica Júlio com o Pábulo; Raul, seu irmão, o que nasceu depois, é o Epígono (Dic.); Amaro é o Garçaim, Mário, o armeiro, é Erco, Luís – visto que Untanha, o gordo, não é pescador – só pode ser Lavanco e, consequentemente, André é o Pendão. Em relação aos agricultores, extrai-se que Cambeta é Nuno, Cafunda é Jaime, Carlos (o gordo atrás citado) é Untanha; o surdo, Boto, é Paulo; Mário é o Erco. Resta Donfafe, que só pode ser o Hélder.

Quanto às mulheres, temos a Aurora, que não chegou a ser Beatriz, ainda que lhe coubesse igualmente o nome por ser aloirada, diferente dos irmãos e dos outros; segue-se o texto no qual se verifica que Rosa é Rubi; e Lúcia, a faladora, é a Gralha. Se Ana (de poucas falas) é a muda, fez companhia a Garnisé (escolhida por Aurora, esta só pode ser a Marta); Tono (Dic.) é Alice. Resumindo: na palhota 1 estão Aristarco (o juiz) e Mentor (o chefe); na 2, Alice (a Tono), Lúcia (a Gralha) e Rosa (a Rubi); na 3, Aurora, Marta (a Garnisé) e Ana (a Muda); na 4, Hélder (o Donfafe) e Nuno (Cambeta); na 5, Júlio (o Pábulo) e Albino (o Castor); na 6, Mário (o Erco) e Paulo (o Boto); na 7, Luís (o Lavanco) e Carlos (o Untanha); na 8, Jaime (o Cafunda) e Diogo (o Panda); na 9, Daniel (o Aguara) e Artur (o Alfaraz); na 10, Albano (o Ursídeo) e Cláudio (o Bisonte); na 11, Raul (o Epígono) e André (o Pendão); e finalmente, na 12, Jorge (o Alvanéu) e Amaro (o Garçaim). O exposto não passa de um paciente exercício.

É tempo de responder ao enigmático. Sibíla, a aprendiz de feiticeira, quis adivinhar o futuro, adiantando-o. Como incendiou a palhota? Se estão lembrados, ela debruçava-se sobre a fogueira com um felpudo gato preto ao colo; fácil, assim, foi pôr o gato na fogueira, o qual, com o pelo a arder, se refugiou na palhota, cheia de lenha e de peles, incendiando-a. Depois foi a comédia: gritou e deixou-se cair no chão. Não enganou o juiz que, ao ver o gato morto nos destroços, não hesitou em expulsá-la para a selva.

O segundo teste é uma lógica simples. Porque ninguém distinguia os gémeos (talvez a mãe que já não deve existir ao tempo, porque ninguém a menciona), o juiz começou por perguntar qual dos dois irmãos nasceu em último, ao que Júlio respondeu que era ele e o outro respondeu que fora o primeiro a nascer. Aristarco ponderou que não poderiam estar a falar verdade, já que um era mentiroso natural, incorrigível; logo, os dois mentiam. Deduziu que Júlio era o mentiroso, porque apressara na resposta. Mas o que levaria o outro a mentir? Respeito para com o irmão mais velho, influência dele durante anos, receio de que, dizendo a verdade, prejudicasse Júlio. O juiz teve a certeza do seu acerto ao verificar que ninguém protestou.

Quanto à morte do Daniel, o Aguará, excluída a culpabilidade da única pessoa que estava trancada por dentro com a vítima, não existindo esconderijos ou portas secretas, visto as pegadas não poderem ser conclusivas, há que procurar quem teve os meios e as armas. Jorge, na véspera, andou pela aldeia a tapar buracos nas palhotas e, na do Daniel, deixou um buraco (disfarçadamente tapado), para utilizar posteriormente. Naquela noite, levou o arco e flechas – o único caçador entre os rastos que passaram pela palhota – abriu o buraco, apontou a flecha, munida de uma corda leve, à cabeça da vítima e disparou; puxou depois a corda, soltando a flecha que arrancou pedaços do crânio, levando o gorro até à parede e deixando-o cair; fecha de novo a abertura com um bocado de barro e deu uma volta pelas palhotas das mulheres, para despistar. Não esqueçamos, porém, que Aurora o repudiou ao conhecer Aguara.

Mas não há crimes perfeitos…

© DANIEL FALCÃO