Autor Data 30 de Dezembro de 2011 Secção Correio Policial [13] Publicação Correio do Ribatejo |
ELE… O TERROR NEGRO! M. Constantino Não,
não estou louca. Ele voltou e há-de voltar sempre…
sempre… há-de matar-me… Acreditai-me… eu conto, mas
acreditai-me… –
Vivemos, eu e o meu marido, na nossa quinta de X, a cinco quilómetros da
povoação. A casa é isolada, ladeada de laranjais e com um caminho empedrado
servindo a estrada principal, ao longo da qual se vêem
outras vivendas isoladas. Não temos criados, os trabalhadores ocasionais
vão-se com o pôr-do-sol. J.,
meu marido, vai duas vezes por semana jogar xadrez com H., o vizinho mais
próximo, a cerca de 1500 metros ao longo da estrada. Foi num desses dias. O
Inverno começara. Uma chuva miudinha chegou com a noite negra, uma noite sem
lua… mas meu marido não perde a sua partida; calça as botas altas, põe um
impermeável e, de chapéu caído sobre os olhos, deixa-me entregue aos meus
afazeres… Virá pela noite e eu esperá-lo-ei, como sempre. Dez
horas, onze… olho através da janela a escuridão lá fora, oiço o pio do mocho…
sinto um arrepio… volto-me sentindo a presença de alguém. Vou a murmurar: –
Já voltaste? – mas fico petrificada. No limiar da
porta que se abre silenciosamente, uma figura alta, toda de negro, avança…
quero gritar… quero fugir… o homem de negro avança e a sua mão enluvada de
negro vem afagar-me o rosto branco; a sua capa lembra as asas de um morcego
enorme… um monstro! O rosto é apenas uma mancha negra… avança mudamente pela
casa e eu sinto-me incapaz de um só movimento, os lábios colados de terror…
ELE, ele abre um armário, tira uma garrafa de Porto, bebe, voltando-me as
costas, um largo trago, e estendendo-me o copo acaba derramando o líquido nos
meus lábios e no queixo, pousa o copo e a mão negra vem acariciar-me os
olhos… silenciosamente caminha para a porta; da sua presença ficarão apenas os
ténues pingos de água no sobrado que lhe caíram da capa, a garrafa e o copo
sobre a mesa… desmaio. J.
voltou, não me acredita. Limitou-se a sorrir: – “Tu bebeste, querida” –
Nenhum indício da passagem d’ELE, os pingos secaram, a garrafa e o copo não
têm impressões digitais. Insisto: – “Eu não bebi… não estou louca… não estou…
não estou…”. …E
o homem de negro tornou… uma, duas vezes, eu sei lá… sinto que enlouqueço de
terror. A porta que eu tranco quando J. sai, volto a abri-la receando que ELE
deite fogo à casa… volto a abri-la para ELE entrar e em silêncio repetir os
gestos das outras vezes, sem jamais deixar um indício da sua presença… apenas
a garrafa e o copo inúteis… Fomos
ao médico. Grito-lhe o meu horror, suplico, choro a verdade… não estou
louca…não quero estar louca, não… não… O médico encolhe os ombros e
receita-me um “vin-contre”. Comprámos,
a meu rogo, um magnífico e corpulento cão polícia. Sinto que será a minha
salvação. J. saiu novamente, depois dumas noites de espreita para “descargo
de consciência”. E o terror voltou… a porta abriu-se como sempre, o cão
rosnou prestes a saltar, mas acabou por abanar a cauda e deitar-se com o
focinho entre as patas dianteiras… Fora dominado… Meu Deus, dominado…
dominado… Não
estou louca! Acreditai-me. Sinto que vou morrer de terror… Aproveito o dia
para escrever este relato. ELE retornará logo, eu sei! Vi agora D., a loura e linda filha do parceiro de J. vir convidá-lo
em nome do pai para a costumada partida nocturna.
Vi J. atirando-lhe, a brincar, um beijo na ponta dos dedos, mas que importa?
O terror negro deixa-me incapaz de lutar… Oito…
nove…dez horas! J. saiu com um olhar de comiseração, depois de me esconder
todas as garrafas. Eu não bebo, meu Deus, eu não bebo… Apago a luz. O vidro
da janela atulhado de neve, que deixou agora de cair, reflecte
a lua ternamente… Tapo-a, procurando a segurança da escuridão… Sinto, mais do
que vejo, a porta abrir-se… e o medo avança… avança… a luva negra vem
tocar-me o rosto… e grito pela primeira vez! Um grito que é um desabafo
incontido… Eu não estou louca… não estou louca… posso agora provar a presença
do terror negro! Pergunta-se: a)
Qual o pormenor que pode provar a presença do terror negro? b)
Pode dar uma ideia de quem seria ou o que seria o terror negro? |
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© DANIEL FALCÃO |
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