Autor Data 2 de Novembro de 2014 Secção Policiário [1213] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2014 Prova nº 10 (Parte I) Publicação Público |
O ASSASSINATO DE MAMÃ D. FLORIPES M. Constantino Coube
a R.R. (Rui Rapidinho), Inspector da Judiciária, em
Lisboa, a investigação do assassinato no “Edifício Azul”, um prédio
construído de raiz nos finais de 1970, como centro comercial, o vulgar “shopping” de hoje, que não resultou e foi posteriormente
adaptado a apartamentos de habitação dimensionados, com meia dúzia de lojas
no r/ch, sem acesso ao interior. Deslocou-se ao
largo dos Milagres, situação do edifício; a mesma zona pouco movimentada de
outrora, as mesmas árvores – o cenário da sua infância. Parou atrás do carro
patrulha, identificou-se e entrou: à esquerda o cubículo do porteiro, à
direita, ao fundo, uma janela-porta de vidro, gradeada, espalhava luz. Foi
levado para a primeira habitação, em frente e à porta da qual esperavam duas
mulheres e o polícia que a vedara com uma fita. Passou por debaixo enquanto
registava a hora (15.40), para ter uma surpresa: a assassinada era a mamã D.
Floripes, sua conhecida. Fora estrangulada com um lenço, talvez o caído no
ombro. O cofre na parede, que se adivinhava oculto sob um quadro surrealista,
estava aberto, sem qualquer jóia ou dinheiro. Uma
velha carteira, sem uma única moeda, fora atirada para o chão. Assassinato e
roubo – pensou. “A vítima que apresentava cerca de sessenta anos bem cuidados, recordou-lhe a esbelta viúva endinheirada. Conheceu um
caixeiro-viajante, viúvo com um filho menor, que aceitou como se fosse seu.
Este, Rod (Rodrigo Rodrigues) começou por lhe
chamar D. Floripes, depois mamã D. Floripes; não era bom aluno, trazia sempre
dinheiro e aproximou-se dele, R.R., porque lhe fazia os trabalhos de casa.
Lembra que aguardava no largo enquanto o condiscípulo usava a sua técnica
secreta para entrar no edifício e em casa assaltar o frigorífico e os pastéis
de nata. Anos depois a senhora descobriu que o namorado tinha outra amante no
Porto. Despachou-o em grande e Rod acompanhou o
vingativo pai. O rapaz, ainda assim, quando precisava de dinheiro, conseguia
chegar a Lisboa e levar algum da bondosa senhora. Cresceu sem interesse pelos
estudos e trabalho, fascinado pela noite”. Sem mexer no corpo, sempre de
luvas e sapatos protegidos, observou a fechadura da porta arrombada, cerrada
com duas voltas de trinco e procurou uma chave, encontrando três exemplares
na caixa do correio, que preparou para análise laboratorial. Entretanto
chegou o parceiro de equipa com o legista e os homens do laboratório que
fotografavam tudo, procuravam impressões digitais e indícios, examinando e
discutindo. O telefone soou. R.R. hesitou e acabou por atender: - É da casa da D. Floripes? Pode passar-lhe o auscultador? -
De momento a senhora não pode atender. Quer deixar recado? -
Sim, diga à mamã que chegarei à noite. Tive uma avaria no carro e estou em
Santarém, na zona industrial. Desligou
sem se identificar, contudo reconheceu a voz. Arrependeu-se de ocultar a
morte da mamã, memorizou telefonar à polícia de Santarém para encontrar a
oficina e dar a notícia. Depois de anotar o número de telefone, optou por
ouvir as mulheres que aguardavam à porta. Foi
Marta, a vizinha e amiga da vítima, quem dera o alerta. Vira Flor, cerca das
9, à porta, a despedir-se do empregado dos telefones e combinaram a usual
saída às 15 horas. Flor era de hábitos constantes. Levantava-se cedo, às 8
fazia uma refeição de cereais e fruta. Íamos ao Largo andar duas horas, ouvia
o programa “Você na TV”, fechava a televisão e almoçava. Hoje fiquei admirada
de continuar a ouvir o televisor, mas só me assustei quando bati à porta e
não obtive resposta. Insisti e acabei por pedir auxílio à esposa do porteiro,
que arrombou a porta com uma tranca. Não mexemos em nada, saímos logo que
vimos a tragédia. Sim, acho que teria muito dinheiro em casa e jóias, o falecido foi empreiteiro das obras do edifício e
comprou a sua casa e maia dúzia de outras habitações. Não conheço inimigos, a
não ser, talvez, o Pedro do 1.º andar que namorava com ela e foi “corrido”
recentemente, acusou-o de ser um “gigôlo” e
tirou-lhe a chave da casa mesmo à minha frente.
Desde então tem feito um cerco a bater-lhe à porta e a telefonar noite e dia…
ala decidiu mudar o número do telefone. A esposa do porteiro fez o que lhe
pareceu melhor, arrombar a porta, não se lembrou dos bombeiros mas chamou a
polícia logo que descobriram o corpo. O porteiro, com as mãos entrapadas por
se ter queimado no fogão, deu entrada a Pedro, vindo da noitada, no momento
em que D. Floripes estava à porta a despedir-se do operador dos telefones e
trocou breves palavras com a vizinha. Apenas saiu do seu posto (só o deixa
depois de todos os habitantes estarem em casa) para atender duas chamadas na
cabine do salão, sem que ninguém respondesse. Registou 11.10 e 11.30 horas.
Não entrou ou saiu alguém estranho. Deu-lhe o número do apartamento de Pedro
e R.R., antes de subir entrou na cabine, relíquia do passado, fixada a cerca
de 15 metros da janela da vítima e da porta de Marta, no amplo salão de
exposições, com a grande porta-janela idêntica à já descrita. Claro
que Pedro, tonto de sono, não tinha álibi e pouco adiantou. De
volta à sede da PJ, fez várias diligências e iniciou um relatório. No
afã, acabou por não telefonar a Rod depois que a
polícia de Santarém localizou a oficina para onde foi rebocado o automóvel
desde o “Pingo Doce”, pouco antes das 13 horas. Contudo, na manhã seguinte
soube que ele falara com o porteiro e comunicara com a Judiciária para falar
com o investigador, o que foi recusado. Pelo dia adiante foi informado pelo
centro telefónico que do telefone no local do crime passaram 3 chamadas: 2
entre a telefónica e o operador, outra proveniente de um telemóvel detectado em Santarém. “As duas chamadas para o número da
cabine são as únicas de um telemóvel sem identificação, segundo a operadora,
com o n.º Y, não detectável por ter sido destruído
o cartão SIM após o último contacto”. A
autópsia foi conclusiva: “sulco horizontal em volta do pescoço, língua entre
as arcadas dentárias, lesões internas com fractura
do aparelho laríngeo, confirmaram estrangulamento; a digestão dos alimentos
parou sensivelmente 3 horas após a ingestão.” “O
laboratório encontrou partículas de unhas no lenço; impressões digitais em
geral são da vítima; no telefone do operador telefónico; as chaves contém
vestígios digitais dó da vítima, uma, outra daquela e de Pedro, a última foi
limpa.” Rapidinho
pôs de parte os relatórios e entregou-se ao raciocínio: se não tinha dúvidas
“quem”, ainda se interrogava “como”, se bem que já tivesse uma teoria. Desafio
ao leitor: O Rapidinho parece já saber quase tudo, mas não tudo! Compete
aos nossos “detectives” juntar todas as pontas e
elaborarem os relatórios que ele pôs de parte. |
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© DANIEL FALCÃO |
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