Autor Data 8 de Novembro de 2015 Secção Policiário [1266] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2015 Prova nº 10 (Parte II) Publicação Público |
O CASO DE JOSITA CORLI Medvet Numa
manhã de segunda-feira, 8 de Julho, o leiteiro que chegara ao nº 99 da Rua
dos Plátanos ficou surpreendido por notar a luz acesa, apesar de já serem
sete horas e o sol ir alto. Talvez fosse apenas a curiosidade que o fez
espreitar pela janela, atravessando um canteiro de flores recentemente
cavado, mas mais tarde disse ter sentido um estranho pressentimento. O
leiteiro espreitou através de um pequeno espaço deixado entre as cortinas
corridas. Ao princípio mal distinguiu um vulto de mulher esparramado numa
cadeira, mas depois conseguiu ver a sua face - uma máscara de sangue. Por
um momento o leiteiro ficou paralisado, mas depois, com um grito abafado de
terror correu rua abaixo, onde felizmente tropeçou com um polícia que fazia a
sua ronda, a quem contou a macabra descoberta. Voltaram
os dois para o 99 e tentaram entrar pela porta da frente, que estava fechada
à chave. Entretanto o leiteiro explicava ao polícia quem eram os habitantes
da casa. Tratava-se de uma mãe com duas filhas, estrangeiras, apesar de
falarem muito bem o português. O leiteiro sabia que a mãe e uma das filhas
estiveram fora durante o fim-de-semana, porque na sexta-feira anterior lhe
pediram para deixar apenas meio litro de leite no sábado e no domingo em vez
do habitual litro e meio, uma vez que a Senhora Corli
e a sua filha Dolores estariam fora até segunda-feira. Uma
vez que a porta da frente estava fechada, tentaram a das traseiras, que
também estava fechada. O polícia decidiu entrar por uma janela entreaberta na
cave. A figura na sala da frente era de facto a filha, Josita.
Tinha um revólver na mão direita e o cano descansava contra o que fora a
mandíbula; de facto, praticamente toda a metade inferior da cara fora
atingida pela descarga e não era um espectáculo
agradável. O
polícia não perdeu tempo a notificar a esquadra e em breve o Inspector Fagundes apareceu no local. A opinião geral era
a de que se tratava de suicídio, mas Fagundes encontrou pequenos
pormenores que lhe pareceu prudente esclarecer. A
Senhora Corli e a sua filha Dolores chegaram por
volta do meio-dia e ficaram horrorizadas com a notícia. Quando acalmaram o
suficiente, Fagundes inquiriu se haveria algum motivo para Josita se matar. Não havia nenhum, que elas soubessem;
era uma rapariga de temperamento variável e por vezes instável, mas nos
últimos tempos parecia ter assentado, graças a um rapaz com quem parecia ter
uma relação amorosa muito intensa, chamado Ramon Perita. Sob
pressão, no entanto, Dolores admitiu que Josita em
mais de uma ocasião, durante um dos seus acessos de fúria, havia ameaçado
matar-se, mas ninguém dera muita atenção ao assunto. A mãe atribuíra isso a
uma manifestação de mau génio que não durava mais de cinco minutos. Na
verdade Josita sempre acabava por ficar lavada em
lágrimas e pedia desculpa por ser tão tortuosa. Quando
Fagundes interrogou Ramon Perita, o namorado da vítima, este pareceu
assombrado quando lhe deram a notícia. Quando ele a deixara na noite
anterior, ela parecera-lhe bem, no seu habitual bom humor. Não era verdade
que Josita estava sempre a ter ataques de fúria. Um
pouco leviana, fazendo olhinhos de vez em quando a outros homens, nada de importante.
Isso já tinha acabado, Josita tinha-lhe prometido
deixar de olhar para outros homens. No
sábado anterior tinham combinado ir ao cinema, mas ela não aparecera. No
domingo à noite fora a casa ver se tinha acontecido alguma coisa e ela
contara-lhe que não se sentira bem e tinha ido para a cama cedo. Não lhe
mandara recado porque não tinha modo de o fazer. Ela parecera-lhe bem no
domingo à noite e devia estar a sentir-se melhor. Tanto quanto sabia, não
havia nada de especial no seu espírito, nem podia imaginar uma razão para ela
se matar. Deixara-a por volta das dez e ela foi com ele até à porta,
combinando encontrar-se com ele na terça seguinte à noite. O
homem estava mesmo transtornado, mas as suas palavras soavam verdadeiras.
Pesquisas na vizinhança confirmaram o seu depoimento até certo ponto. Uma das
vizinhas ouvira um som por volta das onze, mas parecera-lhe o escape de um
carro. Aos domingos à noite a Rua dos Plátanos tinha muito movimento. De
resto, nos últimos tempos tinha havido vários assaltos nas vizinhanças e
todos estavam um pouco em sobressalto - mas não deu muita importância, até
porque o som lhe parecera abafado e não ouvira mais nada. Josita era muito
apreciada na vizinhança, especialmente pelos homens, porque era muito bonita
e sabia-o. Usava a sua beleza para estontear os homens; o seu único defeito
era apreciá-los demais. Ainda no sábado anterior a vizinha a vira de braço
dado com um jovem. A senhora estava à entrada da casa, a tomar o fresco antes
de se deitar. Vira o par aproximar-se, parar à porta da rapariga e ouvira-a
despedir-se com um “Boa noite, Francisco; ver-nos-emos em breve.” A
vizinha estranhou, pois era suposto Josita andar
com um tal senhor Perita; pensava que o seu nome era Ramon, já a ouvira
tratá-lo por Ray. Segundo
o relatório da autópsia, a moça estaria morta cerca de sete a oito horas
antes da descoberta do corpo, ou seja, a morte dera-se entre as onze e a
meia-noite. Talvez mesmo às onze, se o ruído ouvido pela vizinha fora um
tiro. O
homem visto no sábado com a vítima foi encontrado sem dificuldade. A mãe da
vítima lembrara-se de um tal Francisco Peres com quem a filha andava antes de
se decidir por Perita. As suas declarações eram simples. Encontrara Josita por acaso nessa tarde e ela dissera-lhe que ia ter
com o namorado para irem ao cinema, mas após alguma insistência ele
convenceu-a a ir dar um passeio com ele em vez de se encontrar com Perita.
Passaram a maior parte do tempo num abrigo do parque. Ela pareceu-lhe
preocupada e mais tarde confidenciou-lhe a causa. Hesitava entre ele e
Perita. Ela gostava do namorado, mas ele podia ser fatigante por vezes. Ela
gostaria que ele de vez em quando mostrasse alguns ciúmes, mas para além de
se queixar quando ela falava de outros homens, ele não mostrava nenhum sinal
de emoção. Ela achava que ele gostaria mais dela se de vez em quando se
zangasse. Estava a pressioná-la para casarem em breve. Segundo Peres, ela
dissera que “se sentia tão mal com esta indecisão que por vezes pensava em
acabar com tudo”. Peres riu-se dela e conseguiu distraí-la dessa ideia, mas
agora achava que as palavras tinham um sentido mais sinistro do que julgara. O
revólver era de um tipo vulgar do exército, havendo muitas maneiras de a
rapariga o ter arranjado. Nem havia maneira de traçar a sua origem com alguma
certeza. Nem a mãe nem a irmã sabiam que Josita
tinha uma arma - mas isso nada provava. Dêem uma ajudinha ao Inspector antes que fique completamente “passado”… 1
– Foi Ramon Perita 2
– Foram a mãe e a irmã 3–
Foi Francisco Peres 4
– Foi suicídio |
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© DANIEL FALCÃO |
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