Autor

Milau

 

Data

7 de Março de 1999

 

Secção

Policiário [400]

 

Competição

Torneio “Detective Rápido"

Prova nº 1

 

Publicação

Público

 

 

O MISTERIOSO CARRO PRETO

Milau

 

O Abel era um rapaz muito conceituado na aldeia. Muito trabalhador e amigo do seu amigo, o Abel percorria diariamente aqueles caminhos perdidos entre florestas e campos lavrados, sempre com um sorriso nos lábios e uma palavra amiga para todos.

Ninguém podia ter um motivo para matar o Abel. Mas o que aconteceu foi que o Abel apareceu morto na berma de uma estrada de cascalho mal espalhado e o veredicto do polícia que veio à aldeia não deixava dúvidas a ninguém. O Abel foi atropelado na berma, onde se deslocava, por um carro que – pelos rodados que deixou – ia a grande velocidade e aos ziguezagues. Talvez o seu condutor estivesse embriagado, mas o carro ora ia para a esquerda, raspando os pinheiros, ora ia para a direita, raspando as árvores do outro lado. No meio dessas andanças, o Abel foi apanhado e projectado para o meio dos pinheiros.

O Inspector Sequeira analisou tudo e chegou à conclusão de que o responsável pelo crime não podia andar muito longe. Aquela aldeia era muito isolada e as estradas não eram muito frequentadas, ainda para mais numa noite de invernia como aquela. A estrada de pedra solta não conduzia a lado nenhum em especial, apenas servia para os carros de bois irem para as fazendas onde a gente da aldeia amanhava umas leiras tentando tirar da terra o seu sustento.

Na aldeia havia só três carros, mas para azar do Inspector todos estavam amolgados por acidentes e não era nada fácil saber qual é que tinha apanhado o Abel.

O primeiro carro, de cor preta, pertencia ao José, um comerciante de peixe que costumava andar por todos aqueles caminhos a vender o peixe que ia buscar bem longe.

O Inspector Sequeira interrogou-o, mas ele desculpou-se que o carro tinha tido um acidente bem longe dali e até mostrou uma participação de acidente que fizera ao seguro, por causa dos dá-nos. Afirmou que não saiu de casa naquela noite, por causa do temporal – chuva e trovoada que não deixavam ver um palmo à frente do nariz. 

O segundo carro, também preto, pertencia a um rapaz bastante estouvado que fazia noitadas após noitadas e andava frequentemente embriagado. Disse ao Inspector Sequeira que não se lembrava de nada, e que na noite anterior se embriagara mas tinha a certeza de que não fora ele porque os estragos do carro já eram antigos. Não tinha participado nada ao seguro porque não ligava nada a essas coisas.

O terceiro carro era branco e estava muito estragado no lado direito, à frente. Dera uma grande pancada e quer o seu proprietário quer os vizinhos não sabiam como apareceram esses estragos, porque na véspera o carro fora à inspecção periódica e estava impecável. O dono, Carlos, não dizia coisa com coisa, mas ia reforçando que não tinha nada com o caso e que não foi ele que embateu fosse no que fosse. Dizia que ia apresentar uma queixa na polícia contra quem lhe fez aqueles estragos.

A noite da morte foi terrível e ninguém seria capaz de andar na estrada e realmente só o Abel se atreveria porque conhecia todos aqueles caminhos como as suas mãos. Por isso foi com surpresa que apareceu uma testemunha, um pastor que, ao que dizia, andava por ali e assistiu a tudo. Era empregado de Carlos e pastava os seus rebanhos lá para o outro lado do monte, mas naquele momento estava ali perto de Abel e declarou que a noite estava terrível, com frio, chuva torrencial e escura como breu, não se via nada de nada. Ouviu um barulho de passos e espreitou para a estrada mas não viu nada e pensou que era o barulho da chuva torrencial, mas não, era o barulho de um carro que passou a toda a pressa e bateu em alguma coisa com um barulho forte, afastando-se rapidamente. O pastor não teve tempo para nada, desceu a estrada e foi então que deu com o corpo, que só reconheceu quando houve um relâmpago mais prolongado. Era o Abel. Não reconheceu de quem era o carro preto que afirma ter visto.

– Não seria branco? – perguntou o Inspector Sequeira.

– Não senhor era preto!

À luz do dia o Inspector examinou os carros com todo o cuidado. O do José apresentava estragos à frente, do lado direito, e coincidiam com a participação feita ao seguro e que verificou depois que tinha mesmo sido entregue na companhia de seguros na véspera à tarde. Os estragos do segundo carro eram mais ou menos no mesmo local e a chapa da viatura estava já um tanto enferrujada. O proprietário não disse nada de interesse, ainda na ressaca da véspera. O carro branco estava bastante danificado, mais ou menos no mesmo sítio dos outros.

O Inspector Sequeira não sabia como havia de resolver o caso, mas pensou, pensou e

 

A – Foi o José, que forjou a participação do seguro;

B – Foi o rapaz que não se lembra de nada por estar embriagado, mas os estragos do carro não mentem;

C – Foi o Carlos, apesar de o carro ser branco e o pastor dizer que o carro responsável é preto;

D – O Abel bateu sozinho num pinheiro e morreu ao cair sem que ninguém lhe batesse.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO