Autor Data 28 de Fevereiro de 1957 Secção Quem Foi? Competição Torneio de Preparação XIII Problema Publicação Mundo de Aventuras [394] |
O MISTÉRIO DAS PANTUFAS Mr. Jartur O telefone tocou no
gabinete particular de Marcos Dias, e ou atendi. Do outro lado do fio uma voz
trémula perguntou pelo jovem «detective». Como este estivesse a meu lado,
passei-lhe o auscultador. A conversa foi breve, e a
avaliar pelas expressões faciais do meu amigo algo de extraordinário se
passara. Quando desligou, Marcos agarrou-me por um braço e, sem qualquer
explicação, arrastou-me para a saída. A escada foi galgada num ápice, e
entrámos no «Mercedes» de Marcos, estacionado junto do edifício. O carro arrancou
velozmente, e fomos deixando para trás ruas e avenidas. Sem atender às leis
da prudência, Marcos conduzia como um doido, não atendendo os sinais do
tráfego e assustando os peões, dos quais por sorte se desviava. Eu fechava os olhos amiúde
e começava a adivinhar tragédia quando ele, na realidade, pareceu ter
chegado. Embraiagem e travão foram pisados simultaneamente, e com um golpe de
volante que envergonharia Carraciola, o meu amigo tentou estacar o veículo
para não atropelar o pobre homem. Conseguiu-o milagrosamente, tirando uma
impecável tangente ao indivíduo, que mal se apercebera do perigo. O carro galgou o passeio e
iria amachucar-se na parede de um edifício se o pé de Marcos não continuasse
pisando o freio. O homem, que por pouco não
fora vítima do excesso de velocidade de Marcos, aproximou-se do carro e
esboçou um sorriso amarelo ao notar a nossa atrapalhação. Em boa verdade, nós
estávamos mais desconcertados do que ele. O homem balbuciou algo que não
lográmos perceber e afastou-se, gingando o corpo sobre as pernas, uma das
quais era mais curta, apesar da suplementar altura de cortiça que lhe
guarnecia o sapato. O funcionamento dos nossos
corações normalizou-se, e o sangue, que por momentos desaparecera, voltou-nos
ao rosto. O susto passara para dar lugar a uma tremenda vontade de rir. E
gargalhámos ruidosamente, enquanto Marcos dirigia o carro para a via. O término da viagem
aproximava-se, e Marcos foi reduzindo gradualmente a marcha, até imobilizar o
veículo junto dum luxuoso edifício. À porta esperava-nos uma mulher idosa.
Entrámos no elevador e nele ascendemos ao quarto andar. A mulher fez-nos
atravessar um comprido e estreito corredor e deteve-se junto de uma porta
entreaberta, pela abertura da qual se nos oferecia à vista um quadro pouco
agradável: deitado na cama estava um homem com o pescoço ferido e coberto de
sangue já coagulado, que também manchara as roupas do leito. Imediatamente nos atirámos
ao trabalho. A nossa primeira preocupação foi procurar no aposento qualquer
indício revelador, o que não conseguimos. Seguiram-se as investigações da
praxe. Elevador e escada foram cuidadosamente examinados, e desse estudo
resultou o nosso primeiro êxito. Em cada degrau da escada estavam, lado a
lado, as marcas de qualquer género de calçado, que logo deduzimos tratar-se
de pantufas de quarto. Porém, aquelas marcas não estavam impressas em todos
os degraus da escada, porquanto na véspera a mulher a dias sómente encerara o
lance que unia o terceiro andar ao quarto, e neste precisamente é que as
pegadas eram visíveis. Este era um pormenor valiosíssimo, mas deixou de o ser
quando soubemos que, dias antes, um vendedor ambulante havia fornecido
daquelas pantufas a todos os inquilinos do prédio. No entanto, ficámos
sabendo que o culpado residia ali, ou então se servira das pantufas de
qualquer dos inquilinos. D. Rosa, assim se chamava a
mulher que nos acompanhava, informou-nos que a porta principal fora, de manhã,
encontrada aberta, e só os inquilinos possuíam chaves. Pelas janelas, o
acesso só seria possível no primeiro piso. Todavia, aí as janelas não tinham
sido violadas. Também de manhã, o ascensor estacionava no rés-do-chão, o que
vinha provar ter sido utilizado depois das duas da madrugada, hora a que
voltara a energia eléctrica, que a central cortada às vinte e três horas do
dia anterior. Nada mais soubemos que pudesse conduzir-nos à decifração do
enigma, e então procurámos averiguar quais os inquilinos que teriam interesse
na morte do milionário Casqueira. Eram seis os suspeitos.
Naquela mesma tarde, eu e Marcos fomos interrogá-los. A primeira porta em que
batemos foi-nos franqueada por Benilde, uma jovem modelo, que em tempos fora
noiva de Casqueira. Os aposentos da rapariga situavam-se no terceiro andar, e
foi aí que a interrogámos. Disse-nos que se havia recolhido cedo, e que não
mais saíra do quarto. No mesmo piso interrogámos
os irmãos Sousas, que nos afirmaram ter estado a trabalhar até ao momento em
que faltara a luz, pelo que se haviam deitado. Em seguida, descemos ao
andar de baixo, e aí falámos com o Aníbal, que nos disse ter recolhido a casa
cerca das vinte e três horas, e logo se deitara, tendo sido, «como
averiguámos», o último a servir-se do elevador antes de faltar a corrente. Interrogámos, depois, o Sr.
Saul, aquele que quase íamos atropelando horas antes. Garantiu-nos que se
tinha deitado logo após o jantar. No primeiro piso vivia também
o Afonso, que, segundo nos disse, recolhera a casa já depois da luz ter
faltado, pelo que subira as escadas às escuras, como não podia deixar de ser.
D. Rosa dissera-nos que
acabara de encerar aquele lance pouco antes das vinte e três horas, e que se
preparava para prosseguir quando faltou a energia. Ouvimos ainda as
declarações de outros inquilinos não suspeitos, embora nada mais
necessitássemos saber para que atinássemos com a decifração do caso. Utilizando-se apenas dos
elementos colhidos, Marcos Dias logrou desvendar o mistério que envolvia
aquela morte. Pouco depois, o «Mercedes»
voava pela estrada e atravessámos a povoação a toda a brida. Recomendei a
Marcos um pouco de calma, mas ele não me quis ouvir. Súbito, uma derrapagem e
uma travagem brusca quase me fizeram levantar do banco. Desta feita não fora
um despreocupado peão a causa de tal… nem tão pouco uma miragem feminina… – «Há
leitão» – dizia o letreiro, encimado por um ramo de louro… PERGUNTA-SE: – Quem foi o culpado? – Porque pensa assim? – Como foi praticado o
delito? |
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© DANIEL FALCÃO |
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