Autor Data 12 de Junho de 1958 Secção Quem Foi? Competição II T.N.P.P 3º Problema Publicação Mundo de Aventuras [460] |
Solução de: O MISTÉRIO DO TRIDENTE FATAL Mr. Jartur Não existem dúvidas de que
a solução deste problema é clara e única. Para a conseguir nada mais é preciso
do que pura dedução, confrontando as declarações dos depoentes com as coisas
e os factos que o detective viu e foram descritas
no problema. Ora, temos como culpado,
aliás como culpada, a noiva de Alfredo. Para uma acusação mais concreta, há
que ter em atenção o número de mentiras existentes nas suas declarações e,
também, o número de pormenores que ditam a sua culpabilidade. Inicialmente
vou focá-los todos, sem ordem. Depois, mais adiante, farei a reconstituição
do caso apontando, então, outros pormenores devidamente explicados. a) Primeiro que tudo, há a anotar o facto
de Maria José ter dito que ouvira uma detonação. – Este é o seu primeiro
erro, visto que os arpões da caça submarina são disparados pela força de
elásticos e nunca por qualquer carga explosiva. Um possível silvo do tridente
não lhe chegaria aos ouvidos, visto que, por muito calmo que o mar estivesse,
o rumor das ondas o abafaria. Como adiante se prova, a rapariga andava com a
cabeça protegida por uma carapuça, o que mais ainda dificultaria a audição. b) Marcos Dias viu que o arpão estava
encurvado pelo meio, o que prova que este não fora disparado por qualquer «zarabatana»,
visto que estas possuem umas guias para dar direcção
ao projéctil e, a ser assim, a haste do tridente
não deslizaria. c) Depois de disparado, o arpão não se
entortaria., pois a pressão exercida seria centrada no sentido longitudinal e
nunca transversal de modo a encurvar-se. d) Mas, o pormenor mais acusador, é aquele que a jovem construiu ao afirmar que estivera
chorando abraçada ao noivo. Acusador, digo eu, pois «as lágrimas caíam-lhe
nas pernas e rolavam pela pele limpa e sedosa, confundindo-se com algumas
gotas de água que o calor ainda não evaporara». Comparando a afirmação e o
facto deparamos com os seguintes erros: A ter estado ela abraçada ao corpo,
por conseguinte deitada no chão, além de a areia fina lhe secar as coxas e as
pernas que assentara no solo, ter-lhe-ia ficado, colada à pele húmida, uma
grande quantidade de areia que nós sabemos ser fina e alourada. Mais atesta a
veracidade desta dedução, o facto de, como diz o autor do problema, os
cotovelos estarem sobre as pernas agora impecavelmente belas, pois já secara
toda a água. e) Outro pormenor bastante acusador é o
facto de «à volta do corpo nada de anormal se encontrar». Isto desmente a
rapariga ao dizer que não entrara na barraca pois, como sabemos, ela metera
na saca o barrete de natação quando ali entrara a ver se faltaria alguma
coisa, como o detective lhe indicou. Ora, se ela
tinha a carapuça na cabeça, como atestam os seus cabelos soltos ao vento; se
não a tinha nas mãos, o que sabemos porque ao correr ela acenava com os
braços; nem, corno já disse, se encontra à volta do corpo, é porque a Maria
José já havia colocado esse objecto dentro da
barraca. Para o fazer, podia na realidade não ter entrado antes na barraca;
porém, a mentira continua, visto que ela afirmou ter
corrido para o corpo e ter ficado abraçada a ele até ao momento em que se
erguera para correr para a estrada. Então, quando é que pós o
barrete dentro da barraca, pois não há dúvida de que nadara com ele? A
prová-lo está a carapuça molhada e os cabelos soltos No caso de ter nadado
sem o capacete – o que é improvável sabendo-se que o seu cabelo é comprido – este
estaria empastado e não lhe chicotearia o colo e os ombros. f) A ter estado a jovem abraçada ao corpo,
os seus cabelos longos teriam, sem dúvida, chegado ao sangue e então ficariam
manchados, como devia ficar também o «maillot» ou o
corpo da rapariga. g) O arpão, entortado, prova-nos que fora
espetado por alguém que o agarrara pela haste e, ao desferi-lo sobre a vítima,
lhe dera, sem querer, um movimento lateral que motivara o empeno. Quanto a pormenores
acusadores ficar-nos-emos por aqui, se bem que poderíamos ainda expor algumas
hipóteses que nos provariam a anormalidade do caso como, por exemplo o facto
de Maria José ter ficado abraçada ao corpo, quando a sua reacção
deveria ser de horror, o que levaria a procurar, desde logo, alguém que a
auxiliasse. Esperar junto do defunto que o acaso trouxesse alguém para a
ajudar, é ter muita calma, uma calma da qual não dera provas durante a
presença do investigador. É, pois, a altura de
reconstituir o caso, expondo o raciocínio que me pareceu mais lógico. Terminado o passeio pela
praia, que sem dúvida fizeram após a sesta, Maria José foi, na realidade,
para a água onde viu, boiando, um peixe morto com um tridente espetado no
ventre. Então, assaltou-lhe a mente uma ideia: desfazer-se do noivo, ao qual
desde há muito vinha sugando dinheiro, e de quem agora já se sentia cansada.
Extraiu o arpão do corpo do peixe e, saindo da água, colocou o tridente sobre
a areia, em sítio onde a água não chegasse. O noivo, futura vitima,
continuava interessado pela obra de uma boa escritora. Assim a jovem pôde,
durante alguns minutos, estudar mesmo enquanto nadava a maneira de cometer o
delito sem se inculpar. E, então a ideia chegou. Saindo da água, a cantora
tirou da cabeça o barrete de borracha e com ele agarrou o tridente já quase
enxuto. Razão pela qual nele não havia impressões digitais. Subiu a praia,
silenciosa, e aproximando-se de Alfred o que nada
notava, já pelo interesse concentrado na leitura, já pelo ruído quase nulo
dos passos da criminosa. (Podia até ter-lhe falado o que, aliás, o não
surpreenderia nem faria mudar de posição). Curvou--se um pouco, apontou o
tridente e… A vítima nem se mexeu, pois os bicos da arma
fatal, dando-lhe morte imediata. (Se repararmos na posição do livro e das
mãos da vítima, fácil nos será concluí-lo). A rapariga olhou mais uma vez à
sua volta e aproximou-se da barraca na intenção de «surripiar» o que quer que
fosse. Naturalmente, sem notar que o fazia, pousou a carapuça. Mal tinha
acabado o seu trabalho, ouviu na estrada o deslizar do automóvel. Teve uma
ideia súbita e correu, acenando aos ocupantes do veículo. Esta hipótese, que é a mais
lógica, pode, no entanto, divergir em alguns pontos, o que não influi na boa
e única solução do caso para a qual devem ser tomados em conta todos os
pormenores focados nas alíneas a), b), c), d), e), f) e g) e ainda os
apontados na reconstituição do caso. Quanto ao outro suspeito,
nada tem a ver com o crime. As suas declarações nada têm de duvidoso e há
ainda a salientar o facto de ter estado na praia, a dormir, como comprovarão
as pessoas que ele disse terem estado na praia e que, por certo, são suas
conhecidas. |
© DANIEL FALCÃO |
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