Autor

Nick Bianco

 

Data

31 de Janeiro de 1980

 

Secção

Mistério... Policiário [254]

 

Competição

Torneio “4 Estações 79” | Mini C - Verão 79

Problema nº 7

 

Publicação

Mundo de Aventuras [330]

 

 

Solução de:

CRIME PERFEITO… OU QUASE…

Nick Bianco

 

1 – Vitélio Marques, primeiro assistente da vítima.

2 – Porque mente – é condição «sine qua non» ele mentir, senão o crime seria perfeito… – nas suas declarações.

Aparentemente, havia dois suspeitos «interessados» no roubo: a ex-esposa Natércia Lemos e o Mário Albuquerque, pois monetariamente a sua situação era francamente má. Mas não encontramos nenhum deslize nas suas declarações…

Tirando esta excepção, podemos crer que ninguém matou ninguém. Mas houve um assassino e um morto. Como explicar, pois?...

Antes de mais nada, é primordial localizarmos a acção no tempo. E isto, embora disperso, vem no texto. Verificamos que o crime se deu no dia 16, pois «fazia precisamente hoje, dia 16, uma semana que…». Mais adiante, podemos concluir que se passa no mês de Setembro, porque Natércia «divorciou-se neste mesmo mês de Setembro». Finalmente, no fim da «história», aparece-nos o ano: «1978 – Casos resolvidos». Temos agora uma data completa: 16 de Setembro de 1978, que irá ser de extrema importância.

Também no texto se fazem alusões ã lua – «cheia». – Pois bem, nesse dia, ela «nasceu» às 18.36 e esteve no quadrante «cheio», que se iniciava precisamente nesta data. O próprio detective corrobora este facto: «No exterior, uma placa de metal brilhava à luz do luar». Isto implica céu limpo e lua cheia. O que está errado, então?...

No dia 16 do citado mês, deu-se um eclipse total da lua visível em Portugal Continental, com início às 17.21 horas e fim às 21.46!... Imediatamente, isto destrói por completo as afirmações do primeiro assistente Vitélio Marques que diz: «…aproveitei e estive desde as 19 horas até às 20.15 a esboçar um mapa, com a ajuda do meu telescópio…». Precisamente às 20.04 o eclipse teve o seu ponto culminante. Como pôde, pois, fazer o «seu» mapa, para mais tão perto do ponto culminante do eclipse?... Praticamente não via a lua… Para tirar as possíveis dúvidas existentes sobre as suas afirmações, segue-se o desenrolar do eclipse:

17.21 – A lua entra na penumbra;

18.21 – A lua entra na zona de sombra produzida pelo disco da Terra;

20.04 – O eclipse tem o seu ponto culminante;

21.48 – A lua sai da sombra;

22.46 – A lua sai da penumbra.

A hora como sendo provável a morte do dr. Saavedra está precisamente na hora do ponto culminante do eclipse – há apenas diferença de um minuto… – Coincidências demasiado coincidentes… Para mais quando um suspeito nesse mesmo espaço de tempo afirma que fez uma coisa, quando não a podia ter feito…

Mas num problema policial surgem sempre as inevitáveis «ratoeiras» para o solucionista.

Assim, temos uma esposa furiosa com o divórcio e com falta de dinheiro… um primo com a fábrica à beira da falência… moedas e medalhas roubadas a tentarem incriminar estes 2 suspeitos… um segundo assistente muito lúcido para quem recebe um choque tão profundo como abrir uma porta e deparar-se-lhe um cadáver…

Tudo isto, repito, são as «armadilhas» «habitués» de um problema policial.

Mas a solução ficaria incompleta se não se dissesse mais…

Efectivamente, o facto de as moedas e as medalhas terem desaparecido e o assassino ter baleado a vítima precisamente quando esta se encontrava a tratar das moedas, implica que o assassino fosse uma pessoa muito amiga da vítima e conhecesse o seu «modus vivendi». Ficam-nos apenas dois suspeitos: a ex-esposa e o primeiro assistente, para quem a vítima «era um segundo pai» e como já lá se encontrava há um ano, deviam ter certas intimidades e conheceria decerto as ocupações do dr Saavedra.

Por outro lado, temos um assassino que agiu com grande risco de ser «apanhado», pois se a hora da morte foi às 20.05 e ele foi jantar com o colega às 20.15, restavam-lhe apenas 10 minutos para chegar a casa e mudar de roupa. Se se tivesse dado o caso de o André ter chegado mais cedo à sua casa, o assassino era descoberto, pois o colega vê-lo-ia entrar com as moedas…

O facto de as declarações do assassino e do André da Ega se confirmarem, também constituem uma pequena «armadilha» para o solucionista: ninguém se lembraria de matar e após 10 minutos ir comer muito calmamente, como se nada se tivesse passado. Também é necessário notar que nas declarações do André, este afirma. «…Corri a casa do Marques, que fica aqui perto…», daí que 10 minutos lhe tivessem chegado para trocar de roupa e ir jantar com o amigo…

Há ainda no texto um pormenor que quase corrobora as afirmações do Vitélio Marques. Quando o detective Januário saiu de casa para se dirigir ao local do crime, cerca das 22.30, «uma placa de metal brilhava à luz do luar». Poderia confirmar as declarações do assassino – que afirma ter estado a observar a lua, «cheia» – mas, às 22.30 a lua já tinha saído da sombra e estava a sair da penumbra, pelo que, além de ser perfeitamente visível, projectava a luz solar sobre a Terra, fazendo brilhar a «placa de metal»

Finalmente, há ainda um pormenor. O assassino era «xadrezista apaixonado»; daí que estivesse habituado a cronometrar e a ser cronometrado segundo a segundo o seu tempo para cada jogada, pois, no xadrez quem não fizer 40 lances nas primeiras 2 horas de jogo e 20 lances em cada hora posterior, perde a partida. Se era tão «apaixonado», também agora e aqui, no crime, não lhe seria difícil cronometrar os 10 minutos que lhe restavam para chegar a casa e mudar de fato. Decerto todos os segundos estavam programados e cronometrados… tal como no xadrez… Cada passo do assassino após o crime equivalia a uma jogada no xadrez e as 2 horas até ao primeiro controlo ao xadrez equivaliam a 10 minutos…

…Enfim, o assassínio foi um jogo de xadrez, mas quem ficou preso dentro do tabuleiro foi Vitélio Marques…

© DANIEL FALCÃO