Autor Data 5 de Março de 2007 Competição Prova nº 2 Publicação CLUBE DE DETECTIVES |
Solução de: SOSSEGO PERTURBADO Nove O Sr. Francisco Pereira
contou uma história com vários rabos-de-palha, na qual não podemos acreditar.
Denunciou-se, por essa via, como agressor do Sr. Tomé Nunes. 1 – Afirmou ter esfregado,
mais de uma vez, o vidro embaciado da porta do prédio, quando se encontrava
na rua, para ver se estava alguém a descer. Esqueceu-se, contudo, de que a
vidraça deveria apresentar-se embaciada por dentro e não por fora, dado que
ao ar livre – naquela manhã que se apresentara fria e cinzenta, em contraste
com os soalheiros quatro dias anteriores – a temperatura seria inferior à que
se registava dentro das casas. 2 – Disse ter telefonado
para a Polícia uns segundos depois de ter descoberto o corpo caído do Sr.
Nunes, mas, como isso teria ocorrido logo após a sua chegada à porta do
prédio, o telefonema devia ter sido registado até poucos minutos depois das
8h30 e não tão tarde como as 8h57. (Note-se que o Sr. Pereira
alegou ter chegado pelas 8h30 e que esta hora foi confirmada pelo seu vizinho
Serafim. A luz, que nessa ocasião o Sr. Pereira disse ter visto no hall,
respeitaria à parte final do período de iluminação accionado pelo Sr. Serafim
ao sair de casa. O transporte de telemóvel,
durante a corrida, não é de estranhar. Muita gente o faz, acondicionando o
aparelho de maneira a não incomodar). 3 – Declarou ter aberto a
porta do prédio quando tinha dito, imediatamente atrás, que se esquecera da
respectiva chave, isto dentro de um contexto que dava esta como necessária
para abrir a porta. 4 – Chamou a polícia, mas
afirmou tê-lo feito antes de entrar no hall e de proceder a qualquer
observação junto da vítima, como se já soubesse que ela estava morta e fora
assassinada. Se desconhecesse o que se tinha passado, teria começado por
relatar o que fizera para determinar o estado do Sr. Nunes, nomeadamente para
saber se era necessário pedir socorro médico. 5 – Ao afirmar ter
procurado evitar que alguém mexesse no corpo – situando-se no período em que
ainda se encontrava na rua, antes, por conseguinte, de se aproximar da vítima
– voltou a alterar a sequência normal dos acontecimentos, uma vez que
considerou, a destempo, estar perante um caso de polícia. E reincidiu neste
erro de relatar acções que requeriam um conhecimento prévio do que
acontecera, quando declarou ter aberto a porta e ficado a tomar conta do seu
infeliz vizinho, sem mencionar, mais uma vez, qualquer verificação que o tivesse
levado a concluir haver apenas que aguardar a chegada da polícia. (Uma posterior referência
ao cadáver do Sr. Tomé Nunes, feita pelo Sr. Francisco Pereira, já não pode
ser levada à conta de declaração a destempo, visto ser admissível identificar
pessoas e objectos, situados no passado, com propriedades já existentes mas
desconhecidas nessa ocasião pretérita. A imagem de colaborador
eficiente que o Sr. Pereira quis transmitir à polícia, devo-o ter levado a
afastar do hall os dois vizinhos que por lá passaram. Estes, porém, terão
ficado pela porta do prédio, dando início à perturbação do sossego daquela
pacata rua. Quando a polícia chegou, já toda a gente saberia que o Sr. Tomé
Nunes se encontrava morto no n.º 15. O Sr. Serafim também deve ter ficado a
par do que por ali constava antes de o interrogarem. Mas não deixa de ser
pertinente perguntar por que motivo terá jurado não ter visto pessoa alguma
no hall. Foi a polícia que o questionou nesse sentido ou foi ele que
acrescentou uma informação que não poderia ou não deveria possuir? Não o
sabemos e, felizmente para nós, nem é preciso, pois o desastrado relato do
Sr. Pereira chega-nos para concluir que ele nada tinha a ver com o crime). 6 – O testemunho do Sr.
Serafim ganhou crédito com os dislates do Sr. Francisco Pereira. Assim, o
facto do Sr. Serafim não ter visto pessoa alguma no hall, quando saiu cerca
das 8h30, joga, também, a desfavor do vizinho do 3.º esquerdo. 7 – O Sr. Francisco
Pereira, como se constata, encadeou uma série de mentiras para construir um
álibi: alegou o esquecimento das chaves para justificar o desembaciamento dos
vidros da porta, invocou este acto para poder dizer que encontrou o Sr. Tomé
Nunes caído e afirmou ter telefonado para a polícia, pouco depois das 8h30,
para situar a morte da vítima antes do fim da sua corrida matinal. Com este
álibi pretendia, evidentemente, fazer recair as suspeitas de autoria do crime
sobre outras pessoas, entre elas o seu vizinho Serafim, para quem chamou a
atenção como possível suspeito e a quem se referiu, a despropósito e de uma
maneira hipócrita, como uma pessoa muito simpática. Conclui-se que o Inspector
Botelho tinha razões de sobra para desconfiar do solícito Sr. Francisco
Pereira e considerá-lo como agressor mortal do Sr. Tomé Nunes. O crime,
quanto parece, terá sido cometido entre as 8h30 e as 8h57. |
© DANIEL FALCÃO |
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