Autor

O Formiga

 

Data

17 de Agosto de 1978

 

Secção

Mistério... Policiário [179]

 

Competição

Torneio “4 Estações 78" | Mini C – Verão

Problema nº 4-A

 

Publicação

Mundo de Aventuras [255]

 

 

O FUNERAL, O BANHO… O FUNERAL

O Formiga

 

– Pois bem, inspector, eu chamei-o aqui apesar desta senhora e das filhas não estarem de acordo… No entanto, era meu dever fazê-lo; não que suspeite de crime, mas, sim, porque, nestas circunstâncias, o meu código ético e profissional assim mo impunha.

– Mas, doutor, o que poderia ter acontecido ao meu marido senão ter apanhado uma congestão?

– Eu sei que deve ter sido isso, mas conhecendo-o eu tão bem e sabendo-o tão sensato, não compreendo como resolveu tomar banho somente uma hora depois de ter acabado de comer. Apesar disso, tudo indica que houve congestão, pelo que a senhora nada tem a temer.

– O senhor não me está a compreender… Eu não temo por ninguém a não ser por ele, que morreu. A autópsia, ele a ser aberto…

– Desculpe, D. Maria, mas em virtude das dúvidas que este caso me suscitou, era meu dever comunicá-lo a quem de direito. Só lamento que ele venha agravar o seu sofrimento.

– Bem, não vamos fazer disto um «bicho de sete cabeças»… Estou às suas ordens, inspector – a mulher parecia já mais calma, apesar do sofrimento, fingido ou não, se mostrar ainda bem patente.

Como era da praxe, o inspector quis pôr-se ao corrente de tudo quanto acontecera. Uma filha do morto, a Susana, querendo, segundo disse, dar um pouco de sossego à mãe, prontificou-se para responder.

– Bem, inspector, acabámos de comer às duas horas. Estivemos então a lavar e a arrumar a louça, pois o meu pai tinha a «mania» de que os pratos na máquina nunca ficavam bem lavados. Acabámos de o fazer cerca das duas e meia. Depois, para pôr tudo em ordem e prepararmo-nos para sair, pois íamos fazer compras, demorámos mais vinte minutos… Durante esse tempo, o meu pai esteve também na cozinha, connosco… Às três menos dez, mais ou menos, disse que se ia lavar, pois de manhã andara a «jardineirar», como era seu costume, e tinha de estar na igreja às três e meia, para assistir a um funeral…

A mãe da moça interrompeu então:

– É verdade, inspector, foi assim que tudo se passou. Enquanto estivemos a arrumar a cozinha, ele esteve connosco e quando a gente se preparava para sair, ele veio para cima. Quando eu cheguei a casa, perto dos quatro horas, vim logo para cá, porque sabia que a casa de banho devia estar uma balbúrdia, pois ele nunca a limpava depois de tomar banho… Como pensava, a roupa jazia espalhada pelo chão e a água, ainda morna, continuava na banheira… Pus a roupa no cesto respectivo, limpei o local e arrumei-o e quando me dirigia novamente para baixo, pareceu-me ver, através da porta do meu quarto, uma perna estendida na cama… Vim ver o que se passava e dei com ele deitado, de cara congestionada… Dei-lhe umas palmadas, chamei, e ele nada… Entretanto, chegavam as minhas filhas, alertadas pelos meus gritos… Uma delas telefonou ao doutor e desde aí temos estado à cabeceira do meu marido.

O inspector foi então à casa de banho, moderna e agradável, onde estava tudo irrepreensivelmente arrumado. Ao lado esquerdo da porta de entrada o lavatório, de cor verde, chinês, a condizer com os azulejos, enquanto, por cima dele, se via uma «farmácia» envidraçada; perto, estava o roupeiro a que a mulher aludira. Na parede em frente a bacia da retrete e o bidé, também verdes. Na parede do lado direito em relação à entrada, a banheira, que não tinha as cortinas corridas. Numa pequena plataforma, que prolongava a banheira até à parede onde estava inserida a porta, viam-se alguns frascos, certamente de cosméticos… O inspector anotou tudo isto mentalmente, mas quanto a indícios comprometedores é que… nada.

– Creio que aqui em cima está tudo visto. Se quiser vir até à cozinha, eu faço-lhe um café. E se o doutor nos quiser acompanhar…

– Não, não, obrigado. Os meus afazeres não me permitem ficar mais tempo. Até à vista.

Já na cozinha, que possuía todos os aparelhos próprios e indispensáveis de uma cozinha moderna, incluindo o exaustor sobre o fogão a gás, o inspector começou a pensar no problema que se lhe deparara. Foi interrompido nas suas cogitações pela Clara, a outra filha do morto, que abria a porta do armário sobre o qual se situava a banca, com uma pequena chave que a mãe lhe emprestara. Ligou então a botija que, segundo soube, servia os dois aparelhos a gás, da cozinha, por meio de um «T», colocado na instalação. Depois disto pôs o café ao lume, após o que se virou para o detective:

– Talvez o inspector se tenha admirado de ver este armário fechado à chave. No entanto é aqui que nós guardamos as jóias, num esconderijo… –E mostrou ao inspector um pequeno cofre, que retirou do armário. – Nós já fomos assaltados na outra casa onde morámos e por isso a minha mãe mandou instalar esta fechadura… Aqui ninguém se lembraria de as procurar – acrescentou, referindo-se às jóias.

Elucidado, o inspector viu-a guardar novamente o cofre, entregando de novo a chave à mãe, que a guardou novamente consigo, por só existir essa.

– Bem, talvez seja melhor dizer também o que fiz hoje, não é?... Pois pouco antes da cozinha estar completamente arrumada, eu fui lá acima, passar a ferro a roupa que ia vestir… Quando vinha para baixo, encontrei o meu pai, que me disse que se ia lavar, em virtude de ter de comparecer ao funeral de um amigo. Perguntei-lhe se não era muito cedo para isso, uma vez que comera há pouco… Respondeu muito simplesmente que não me afligisse, que não seria uma simples lavadela que o levaria «desta para melhor»… Pouco depois saíamos… Quando regressámos, perto das quatro, estivemos, eu e a minha irmã, a experimentar a jarra que tínhamos comprado… Discutíamos ainda sobre o lugar onde a colocar, quando ouvimos a minha mãe a gritar… Fomos ver o que tinha acontecido, e até à sua chegada não saímos lá de cima… E, creio que é tudo.

– Vocês não se davam muito bem com ele, pois não?...

A esta pergunta indiscreta do inspector, as três entreolharam-se, comprometidas. No entanto, Susana respondeu:

– Na realidade, inspector, não podemos dizer que sentimos muito a sua morte, como, sem dúvida, o senhor constatou. Ele era um verdadeiro déspota e gostava de «meter o nariz» em tudo… No entanto, posso afirmar-lhe que nenhuma de nós chegaria ao ponto de o matar, apesar de, como disse, ele nos fazer a «vida negra»

 

1.a pergunta: Eu não gosto de responder a este tipo de problemas através de alíneas. Como tal, não as faria. No entanto, e uma vez que parece necessário, aqui vai, através de uma frase que poderia ter servido de título ao problema: «Congestão ou não, eis a questão»… para si.

2.a pergunta: Se acha que houve «mão criminosa» envolvida no caso, diga-o e justifique. Caso contrário… faça o mesmo.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO