Autor Data 23 de Abril de 1981 Secção Mistério... Policiário [309] Competição Torneio
“4 Estações 80” | Mini C – Verão Problema nº 6 Publicação Mundo de Aventuras [393] |
Solução de: O DEGRAU CARUNCHOSO… O Formiga Primeiro
facto: houve crime e não suicídio, pois a arma não se encontrava na
arrecadação e a vítima não podia ter-se livrado dela. Na verdade, a morte
fora instantânea. Aliás, não se compreenderia que o Januário falasse tão
normalmente para, logo de seguida e sem mesmo acabar a frase, resolver suicidar-se… Assente
o assassínio, temos três suspeitos: a Lina, a Tina e a Cina. Qual delas matou
o pai? Para
responder à pergunta, dois problemas se levantam: 1
– Saber com quem falava o «ti» Januário na arrecadação (e ele falava com
alguém, por duas razões: a) Ele não costumava falar com as paredes… b) A
queda da lata deu-se após o tiro e não podia ter sido causada pela vítima.
Logo, alguém a derrubara). 2
– Saber como se escapuliu o assassino para não ter sido descoberto por Tó
Patudo, que entrou na arrecadação logo após o tiro. Vejamos
a primeira pergunta. Januário disse: «Pois é, minha menina!,
a Lina bem…». Parece,
à primeira vista, que o homem falava com uma das filhas. Se isso fosse
verdade, a Lina estaria ilibada. Na verdade, se ela estivesse presente o
Januário teria dito: «Pois é, minha menina!, tu bem…».
Com efeito, ele tratava as filhas por tu, o que pôde constatar-se quando
mandou uma delas buscar vinho. Assim, tudo parece indicar que o Januário
falava com a Tina ou a Cina acerca de Lina. Mas
será isto verdade? Será a hipótese satisfatória? – Vistas
bem as coisas, isso não acontece. Esta negativa, aliás, relaciona-se com a
segunda pergunta posta, que se referia à forma adoptada
pelo assassino para se escapulir. Ora, a hipótese apresentada não permite
compreender como isso se verificou. Surge,
assim, a segunda e última hipótese: uma vez que nenhuma pessoa poderia ter
saído da arrecadação sem que Tó Patudo a visse (e era impossível passar
através da janela), o tiro foi, necessariamente, disparado do pátio… Como o
«ti» Januário estava de costas, não viu, sequer, quem fora o criminoso. Por
outro lado, como a janela – que dava para o pátio – era baixa (estava somente
a 1 metro do solo), não houve problema com o disparo. Para
muitas pessoas, no entanto, o problema mantém-se: se o assassino não estava
na arrecadação, teria de lá estar alguém com o Januário (como já vimos). Como
se teria, então, escapado essa pessoa? – Ora aí é que está… Não era a uma
«pessoa» mas a um «animal» que o «ti» Januário falava: ele conversava com
alguém (não para as paredes), mas não com uma das filhas… E
que animal seria esse? – Pois bem, um que pudesse passar entre as grades da
janela, fosse fêmea («…minha menina!...») e que o
«ti» Januário conhecesse bem – uma gata! Esta espécie de animal (seja macho ou
fêmea) é, aliás, o remédio principal contra os ratos, particularmente na
aldeia; e aquilo com que o «ti» Januário os combatia… –
Mas haverá, ainda, quem se mostre incrédulo… Então admite-se que o homem
estivesse a falar acerca da filha com uma gata? Caberá isso na cabeça de
alguém? – Pois bem, o certo é que até cabe. O «ti» Januário podia, muito bem,
estar a falar dos seus problemas com o atento animal, que na altura se
encontrava na arrecadação (que, para mais, também devia ter ratos). E,
afinal, quem não conversou, ainda, com um gato ou um cão?...
–
Temos, desta forma, resposta para as duas perguntas surgidas no princípio: o
«ti» Januário falava com a gata (daí ninguém ter sido encontrado na
arrecadação); o assassino pôde escapulir-se pois o tiro foi disparado do pátio.
Continuamos,
porém, a não conhecer a criminosa… pelo menos se não repararmos na mentira
que surge, face ao que já foi exposto. É que uma das moças – a Lina – mentiu,
comprometendo-se. Na verdade, e uma vez que o tiro foi disparado do pátio,
ela teria, forçosamente, de ver o assassino, pois disse estar à janela quando
ouviu o estampido… Assim,
foi a Lina que disparou contra o progenitor, matando-o. Este teve morte
instantânea. A assassina logo se escapuliu, abandonando a janela através da
qual praticara o crime. Mas para onde, se perto da porta da arrecadação
estava Tó Patudo (e a Lina não passou por ele); e se, por outro lado, do rés-do-chão
da casa iriam sair a Tina e a Cina (que também não viram a irmã)? A resposta
é simples: a Lina escondeu-se no único local possível – por trás das paredes
do poço, que tinham um metro de altura. Depois, após as irmãs terem passado,
dirigiu-se à arrecadação – não convinha chegar antes, pois o seu quarto
ficava no 1º andar e a cozinha e a casa de banho situavam-se no rés-do-chão. E
está o caso explicado; que não completamente, pois impõem-se alguns
esclarecimentos complementares mas imprescindíveis… O primeiro refere-se à trajectória da bala. Na verdade, o facto de esta ser
ascendente parece implicar que a assassina devia ser mais pequena que o «ti»
Januário. E, nesse caso, a Lina ficaria ilibada, pois era bem mais alta que o
progenitor… A
altura, no entanto, não a torna inocente. Com efeito, e desde logo, ela
mentiu. Depois… há outra explicação para a trajectória
ascendente. Essa explicação é bem simples: o «ti» Januário tinha a cabeça
inclinada, pois olhava a gata, com quem falava. Por essa razão, a bala
penetrou na cabeça seguindo uma trajectória ascendente,
o que não aconteceria se a cabeça estivesse levantada. Para melhor compreensão
apresento um desenho. (Se
se endireitar a cabeça do boneco, aos poucos, o tracejado correspondente à trajectória da bala deslocar-se-á para baixo. Ficará,
portanto, da forma apresentada acima). Aplicando
a teoria à prática, pode afirmar-se que o caso se passou de acordo com o
esquema abaixo. A
arrecadação teria 4 metros de altura. A janela estava a 1 metro do solo e
teria 1 metro de altura. A vítima, por sua vez, estava, no máximo, a 2 metros
da parede direita. Isso se depreende do facto da cabeça do «ti» Januário
estar perto dessa parede e de este ser de estatura mediana. A largura entre
as paredes esquerda e direita, por sua vez, era de 7 metros. O
«ti» Januário, de estatura mediana, digamos que media 1 metro e 70
centímetros. Por consequência, a Lima teria a altura de 1 metro e 90
centímetros e a Cina a de 1 metro e cinquenta centímetros. Levei
ainda em consideração o facto de a atiradora ter colocado a arma à altura dos
olhos e de ter apoiado a mão que ia disparar na outra mão, ou mesmo,
eventualmente, numa das barras da janela, desde que esta estivesse à altura
conveniente. Nestas
circunstâncias, sensivelmente idênticas às da descrição, a trajectória foi, sem dúvida, a apresentada no desenho.
Ressalvam-se, logicamente, pequenas imperfeições, sempre inevitáveis, mas que
não falseiam o raciocínio. Na verdade, mesmo que a trajectória
da bala disparada pela Lina fosse horizontal, pareceria sempre ascendente,
pois o Januário tinha a cabeça inclinada para e frente. Enfim,
esta explicação foi, talvez, demasiado minuciosa… Se se frisar o facto de não
ser necessário que a atiradora seja maior que a vítima (para o que bastava
esta ter a cabeça inclinada), a resposta deve ser considerada completa. Esclarecido
este ponto, outro problema nos surge; este relacionado com as afirmações da
Cassilda, que revelou saber que o pai falava com alguém imediatamente antes
de ser morto, embora afirmasse estar na cozinha quando o crime foi cometido.
Este facto não é, contudo, incriminador. Na verdade, também o inspector soube isso, embora estivesse ausente quando a
morte se verificou. Assim, só uma coisa se pode concluir: tanto ele como a Cina
foram avisados do facto por Tó Patudo. Por
fim, cabe ainda uma referência à cápsula do projéctil,
encontrada dentro da arrecadação. Esse facto é, no entanto, facilmente
compreensível: a Lina, certamente para firmar melhor o tiro, introduziu a
pistola através das grades, talvez até apoiando o braço sobre uma delas
(hipótese que, aliás, já referi anteriormente). Por essa razão, a cápsula
caiu dentro da arrecadação. Quanto
ao facto de a pistola se encontrar, normalmente, dentro de uma das gavetas da
mesa da arrecadação, creio que se poderia levantar a seguinte questão: «Como
se pôde apoderar dela a Lina, se disparou do pátio?». – A resposta é simples:
já a tinha de lá tirado anteriormente, com certeza à espera de uma altura
propícia para a utilizar. Talvez o momento escolhido não tenha sido o melhor,
devido à presença, próxima, de Tó Patudo. A Lina, contudo, certamente o
julgava longe, visitando a quinta; e, no fim de contas, essa presença até a
beneficiou, pois a conversa ouvida pelo sub-inspector
parecia, em princípio, ilibá-la (o que, aliás, já vimos anteriormente). Resumindo:
alguém ou alguma coisa estava com o Januário na arrecadação quando este foi
assassinado. Não podia ser qualquer das filhas, pois nenhuma delas conseguiria
passar através das grades da janela. O tiro teve, por isso, de ser disparado
do pátio. Assim,
quem estava com o Januário era a gata da casa só ela passava através das
grades. Ao fugir, porém, devido ao estampido, o animal derrubou a lata… A
criminosa foi, por conseguinte, a Lina. Na verdade, se ela estivesse, como
dizia, à janela do seu quarto quando ouviu o tiro, teria, sem dúvida, visto a
criminosa… A
bala, por seu lado, parecia ter seguido uma trajectória
ascendente, pois a vítima tinha a cabeça inclinada para a frente ao receber o
tiro. |
© DANIEL FALCÃO |
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